DISCURSOS E HOMILIAS DO PAPA
FRANCISCO NO BRASIL POR OCASIÃO DA JMJ 2013
1. ENCONTRO COM OS JORNALISTAS DURANTE O VÔO PAPAL
Segunda-feira, 22 de
Julho de 2013
Padre Lombardi
Santo Padre Francisco, bem-vindo ao meio desta comunidade
voadora de jornalistas, operadores das comunicações. Sentimos grande emoção
pela possibilidade de acompanhá-lo em sua primeira viagem intercontinental,
internacional, depois da comovedora deslocação a Lampedusa! Além do mais, é a
primeira viagem ao seu Continente, ao “fim do mundo”. É uma viagem na companhia
dos jovens; por isso, suscita um grande interesse. Como pode ver, ocupamos
todos os lugares disponíveis para os jornalistas neste voo. Somos mais de 70
pessoas, obedecendo a composição do grupo a critérios de grande variedade, ou
seja, temos representantes das televisões – tanto repórteres como operadores de
câmara –, os representantes da imprensa escrita, das agências de notícias, da
rádio, operadores de internet... Praticamente estão representados, e de forma
qualificada, todos os mass-media. E estão representadas também as culturas, as
diferentes línguas. Temos, neste voo, um bom grupo de italianos, em seguida
aparecem naturalmente os brasileiros que vieram inclusive do Brasil para voar
junto com o Santo Padre: há dez brasileiros que vieram de propósito para isso.
Depois temos dez dos Estados Unidos da América, nove da França, seis da
Espanha; depois há ingleses, mexicanos, alemães; também o Japão, a Argentina –
naturalmente –, a Polônia, Portugal e a Rússia estão representados. Trata-se,
portanto, de uma comunidade muito diversificada. Muitos dos que aqui estão
acompanham, frequentemente, as viagens do Papa fora da Itália, ou seja, já não
estão em sua primeira experiência, antes, alguns são muito navegados, conhecem
essas viagens muito melhor do que o Santo Padre. Diversamente, outros estão
aqui pela primeira vez, porque – como os brasileiros, por exemplo – acompanham
especificamente esta viagem. Assim, decidimos dar-lhe as boas-vindas a este
grupo pela voz também de um de nós, ou melhor, uma de nós, que foi escolhida –
acho que sem problemas particulares de concorrência – porque é, certamente, a
pessoa que fez mais viagens ao estrangeiro com o Santo Padre: está em disputa
com o Doutor Gasbarri inclusive pelo número das viagens realizadas. Além disso
é uma pessoa que vem do seu Continente e, por conseguinte, pode falar-lhe em
espanhol, na sua língua; e é – para além do mais – uma pessoa mulher, sendo
justo que lhe demos a palavra. Então dou imediatamente a palavra a Valentina
Alazraki, que é a correspondente de Televisa, há muitos anos – mas permanece
sempre juvenil, como o Santo Padre vê –, sentindo-nos contentes por a termos
conosco mais não fosse porque algumas semanas atrás partiu um pé e por isso
temíamos que não pudesse vir. Mas não, ajustou-o a tempo, tirou o gesso há dois
ou três dias e agora já está no avião. Portanto será ela que interpreta os
sentimentos desta comunidade voadora para com o Santo Padre.
Valentina Alazraki:
Papa Francisco, bom dia! O único mérito que possuo para ter o
privilégio de dar-lhe as boas-vindas é o elevado número de horas de voo.
Participei no primeiro voo de João Paulo II ao México, o meu país. Então era a
mascote; agora, 34 anos e meio depois, sou a decana! Por isso tenho o
privilégio de dar-lhe as boas-vindas. Sabemos, pelos seus amigos e
colaboradores na Argentina, que os jornalistas não são propriamente “santos da
sua devoção”. Talvez tenha pensado que o Padre Lombardi o trouxe à cova dos
leões... A verdade, porém, é que não somos assim tão ferozes, e temos um grande
prazer em poder ser seus companheiros de viagem. Gostaríamos que o Santo Padre
nos visse assim, como companheiros de viagem, nesta e em muitas outras ainda.
Obviamente somos jornalistas, e se hoje, amanhã ou nos dias seguintes quiser responder
a perguntas, não vamos dizer que não, porque somos jornalistas. Vimos que
confiou esta sua viagem a Maria, tendo ido a Santa Maria Maior e vai ir a
Aparecida; pensei oferecer-lhe um pequeno presente, uma pequeníssima Virgem
peregrina para que O acompanhe nesta peregrinação e muitas mais. Por
coincidência, trata-se da Virgem de Guadalupe; ofereço-a não pelo fato de ser a
Rainha do México, mas porque é a Padroeira da América, pelo que nenhum Virgem
Maria se ressentirá: nem a da Argentina, nem a de Aparecida, nem qualquer
outra. Eu lha ofereço com imenso carinho da parte de todos nós e com a
esperança de que proteja o Santo Padre nesta viagem e em muitas outras ainda.
Padre Lombardi:
E agora demos a palavra ao Santo Padre, naturalmente para que
nos diga pelo menos algumas palavras introdutórias a esta viagem.
Papa Francisco:
Bom dia! Bom dia a vocês todos! Disseram – eu ouvi
–coisas um bocado estranhas: “Que vocês não são santos da minha devoção”, “que
aqui eu estou no meio dos leões...”, ainda bem que não são muito ferozes!
Obrigado! Verdadeiramente eu não dou entrevistas, mas é porque não sei, não
consigo. Sou assim! Sinto um pouco de dificuldade em fazê-lo, mas agradeço a
companhia. Esta primeira viagem tem em vista encontrar os jovens, mas não
isolados da sua vida; eu quereria encontrá-los precisamente no tecido social,
em sociedade. Porque, quando isolamos os jovens, praticamos uma injustiça:
despojamo-los da sua pertença. Os jovens têm uma pertença: pertença a uma
família, a uma pátria, a uma cultura, a uma fé… Eles têm uma pertença, e não
devemos isolá-los! Sobretudo não devemos isolá-los inteiramente da sociedade!
Eles são verdadeiramente o futuro de um povo! Isto é verdade; mas não o são
somente eles: eles são o futuro, porque têm a força, são jovens, continuarão
para diante. Mas também, no outro extremo da vida, os idosos são o futuro de um
povo. Um povo tem futuro se vai em frente com ambos os pontos: com os jovens,
com a força, porque o levam para diante; e com os idosos, porque são eles que
oferecem a sabedoria da vida. E muitas vezes penso que fazemos uma injustiça
aos idosos, pondo-os de lado como se eles não tivessem nada para nos dar; eles
têm a sabedoria, a sabedoria da vida, a sabedoria da história, a sabedoria da
pátria, a sabedoria da família. E nós precisamos disto! Por isso, digo que vou
encontrar os jovens, mas no seu tecido social, principalmente com os idosos. É
verdade que a crise mundial não gera coisas boas para os jovens. Li, na semana
passada, a percentagem dos jovens desempregados; pensem que corremos o risco de
ter uma geração que não encontrou trabalho, e é o trabalho que confere à pessoa
a dignidade de ganhar o seu pão. Os jovens, neste momento, sofrem a crise. Aos
poucos fomo-nos acostumando a esta cultura do descarte: com os idosos, sucede
demasiadas vezes; mas agora acontece também com inúmeros jovens sem trabalho.
Também a eles chega a cultura do descarte. Temos de acabar com esse hábito de
descartar. Ao contrário, cultura da inclusão, cultura do encontro, fazer um
esforço para integrar a todos na sociedade. Isto é de certo modo o sentido que
eu quero dar a esta visita aos jovens, aos jovens na sociedade.
Agradeço-vos
imenso, caríssimos, “santos de não devoção” e “leões não muito ferozes”. Muito
obrigado, muito obrigado mesmo! E eu gostava de lhes saudar a cada um.
Obrigado!
Padre Lombardi:
Muito obrigado, Santo Padre, por esta introdução tão
expressiva. E agora vem todos saudá-lo: passam por aqui, desse modo podem vir e
cada um pode conhecê-lo, Santidade, apresentar-se; cada um diga de que mídia é,
de que televisão ou jornal vem. Assim o Papa o saúda e conhece…
Papa Francisco:
Temos dez horas... [Um
a um, os jornalistas encontram o Santo Padre]
Padre Lombardi:
Acabaram realmente de vir todos? Sim? Ótimo!
Agradecemos verdadeiramente de coração ao Papa Francisco porque foi – julgo eu
– para todos nós um momento inesquecível e penso que constituiu uma bela
introdução a esta viagem. Acho que o Santo Padre conquistou pelo menos um pouco
do coração destes “leões”, de modo que, durante a viagem, possam ser seus
colaboradores, isto é, compreendam a sua mensagem e a difundam com grande
eficácia. Obrigado, Santidade!
Papa Francisco:
Agradeço-lhes de verdade e peço-lhes para ajudar-me e
colaborar, nesta viagem, para o bem, para o bem; o bem da sociedade: o bem dos
jovens e o bem dos idosos; ambos juntos, não o esqueçam! E eu fico um pouco
como o profeta Daniel: um pouco triste, porque vi que os leões não eram muito
ferozes! Obrigado, muito obrigado! Um abraço a todos! Obrigado!
2. CERIMÔNIA DE BOAS-VINDAS NO PALÁCIO DA GUANABARA
Segunda-feira, 22 de Julho de 2013
Senhora
Presidenta,
Ilustres
Autoridades,
Irmãos e
amigos!
Quis Deus na
sua amorosa providência que a primeira viagem internacional do meu Pontificado
me consentisse voltar à amada América Latina, precisamente ao Brasil, nação que
se gloria de seus sólidos laços com a Sé Apostólica e dos profundos sentimentos
de fé e amizade que sempre a uniram de modo singular ao Sucessor de Pedro. Dou
graças a Deus pela sua benignidade.
Aprendi que
para ter acesso ao Povo Brasileiro, é preciso ingressar pelo portal do seu
imenso coração; por isso permitam-me que nesta hora eu possa bater
delicadamente a esta porta. Peço licença para entrar e transcorrer esta semana
com vocês. Não tenho ouro nem prata, mas trago o que de mais precioso me foi
dado: Jesus Cristo! Venho em seu Nome, para alimentar a chama de amor fraterno
que arde em cada coração; e desejo que chegue a todos e a cada um a minha
saudação: “A paz de Cristo esteja com vocês!”
Saúdo com deferência
a Senhora Presidenta e os ilustres membros do seu Governo. Obrigado pelo seu
generoso acolhimento e por suas palavras que externaram a alegria dos
brasileiros pela minha presença em sua Pátria. Cumprimento também o Senhor
Governador deste Estado, que amavelmente nos recebe na Sede do Governo, e o
Senhor Prefeito do Rio de Janeiro, bem como os Membros do Corpo Diplomático
acreditado junto ao Governo Brasileiro, as demais Autoridades presentes e todos
quantos se prodigalizaram para tornar realidade esta minha visita.
Quero
dirigir uma palavra de afeto aos meus irmãos no Episcopado, sobre quem pousa a
tarefa de guiar o Rebanho de Deus neste imenso País, e às suas amadas Igrejas
Particulares. Esta minha visita outra coisa não quer senão continuar a missão
pastoral própria do Bispo de Roma de confirmar os seus irmãos na Fé em Cristo,
de animá-los a testemunhar as razões da Esperança que d’Ele vem e de
incentivá-los a oferecer a todos as inesgotáveis riquezas do seu Amor.
O motivo
principal da minha presença no Brasil, como é sabido, transcende as suas
fronteiras. Vim para a Jornada Mundial da Juventude. Vim para encontrar os
jovens que vieram de todo o mundo, atraídos pelos braços abertos do Cristo
Redentor. Eles querem agasalhar-se no seu abraço para, junto de seu Coração,
ouvir de novo o seu potente e claro chamado: “Ide e fazei discípulos entre
todas as nações”.
Estes jovens
provêm dos diversos continentes, falam línguas diferentes, são portadores de
variegadas culturas e, todavia, em Cristo encontram as respostas para suas mais
altas e comuns aspirações e podem saciar a fome de verdade límpida e de amor
autêntico que os irmanem para além de toda diversidade.
Cristo abre
espaço para eles, pois sabe que energia alguma pode ser mais potente que aquela
que se desprende do coração dos jovens quando conquistados pela experiência da
sua amizade. Cristo “bota fé” nos jovens e confia-lhes o futuro de sua própria
causa: “Ide, fazei discípulos”. Ide para além das fronteiras do que é
humanamente possível e criem um mundo de irmãos. Também os jovens “botam fé” em
Cristo. Eles não têm medo de arriscar a única vida que possuem porque sabem que
não serão desiludidos.
Ao iniciar
esta minha visita ao Brasil, tenho consciência de que, ao dirigir-me aos
jovens, falarei às suas famílias, às suas comunidades eclesiais e nacionais de
origem, às sociedades nas quais estão inseridos, aos homens e às mulheres dos
quais, em grande medida, depende o futuro destas novas gerações.
Os pais usam
dizer por aqui: “os filhos são a menina dos nossos olhos”. Que bela expressão
da sabedoria brasileira que aplica aos jovens a imagem da pupila dos olhos,
janela pela qual entra a luz regalando-nos o milagre da visão! O que vai ser de
nós, se não tomarmos conta dos nossos olhos? Como haveremos de seguir em
frente? O meu auspício é que, nesta semana, cada um de nós se deixe interpelar
por esta desafiadora pergunta.
E atenção! A
juventude é a janela pela qual o futuro entra no mundo. É a janela e, por isso,
nos impõe grandes desafios. A nossa geração se demonstrará à altura da promessa
contida em cada jovem quando souber abrir-lhe espaço. Isso significa: tutelar
as condições materiais e imateriais para o seu pleno desenvolvimento; oferecer
a ele fundamentos sólidos, sobre os quais construir a vida; garantir-lhe
segurança e educação para que se torne aquilo que ele pode ser; transmitir-lhe
valores duradouros pelos quais a vida mereça ser vivida, assegurar-lhe um
horizonte transcendente que responda à sede de felicidade autêntica, suscitando
nele a criatividade do bem; entregar-lhe a herança de um mundo que corresponda
à medida da vida humana; despertar nele as melhores potencialidades para que
seja sujeito do próprio amanhã e corresponsável do destino de todos. Com essas
atitudes precedemos hoje o futuro que entra pela janela dos jovens.
Concluindo,
peço a todos a delicadeza da atenção e, se possível, a necessária empatia para
estabelecer um diálogo de amigos. Nesta hora, os braços do Papa se alargam para
abraçar a inteira nação brasileira, na sua complexa riqueza humana, cultural e
religiosa. Desde a Amazônia até os pampas, dos sertões até o Pantanal, dos
vilarejos até as metrópoles, ninguém se sinta excluído do afeto do Papa. Depois
de amanhã, se Deus quiser, tenho em mente recordar-lhes todos a Nossa Senhora
Aparecida, invocando sua proteção materna sobre seus lares e famílias. Desde já
a todos abençoo. Obrigado pelo acolhimento!
3. HOMILIA NA MISSA NO SANTUÁRIO NACIONAL DE APARECIDA
Quarta-feira, 24 de Julho de 2013
Eminentíssimo
Senhor Cardeal,
Venerados
irmãos no episcopado e no sacerdócio,
Queridos
irmãos e irmãs!
Quanta
alegria me dá vir à casa da Mãe de cada brasileiro, o Santuário de Nossa
Senhora Aparecida. No dia seguinte à minha eleição como Bispo de Roma fui
visitar a Basílica de Santa Maria Maior, para confiar a Nossa Senhora o meu
ministério. Hoje, eu quis vir aqui para suplicar à Maria, nossa Mãe, o bom
êxito da Jornada Mundial da Juventude e colocar aos seus pés a vida do povo
latino-americano.
Queria
dizer-lhes, primeiramente, uma coisa. Neste Santuário, seis anos atrás, quando
aqui se realizou a V Conferência Geral do Episcopado da América Latina e do
Caribe, pude dar-me conta pessoalmente de um fato belíssimo: ver como os Bispos
– que trabalharam sobre o tema do encontro com Cristo, discipulado e missão –
eram animados, acompanhados e, em certo sentido, inspirados pelos milhares de
peregrinos que vinham diariamente confiar a sua vida a Nossa Senhora: aquela
Conferência foi um grande momento de vida de Igreja. E, de fato, pode-se dizer
que o Documento de Aparecida nasceu justamente deste encontro entre os
trabalhos dos Pastores e a fé simples dos romeiros, sob a proteção maternal de
Maria. A Igreja, quando busca Cristo, bate sempre à casa da Mãe e pede:
“Mostrai-nos Jesus”. É de Maria que se aprende o verdadeiro discipulado. E, por
isso, a Igreja sai em missão sempre na esteira de Maria.
Assim, de
cara à Jornada Mundial da Juventude que me trouxe até o Brasil, também eu venho
hoje bater à porta da casa de Maria, que amou e educou Jesus, para que ajude a
todos nós, os Pastores do Povo de Deus, aos pais e aos educadores, a transmitir
aos nossos jovens os valores que farão deles construtores de um País e de um
mundo mais justo, solidário e fraterno. Para tal, gostaria de chamar à atenção
para três simples posturas, três simples posturas: Conservar a esperança;
deixar-se surpreender por Deus; viver na alegria.
1. Conservar
a esperança. A segunda leitura da Missa apresenta uma cena dramática: uma
mulher – figura de Maria e da Igreja – sendo perseguida por um Dragão – o diabo
- que quer lhe devorar o filho. A cena, porém, não é de morte, mas de vida,
porque Deus intervém e coloca o filho a salvo (cfr. Ap 12,13a.15-16a). Quantas
dificuldades na vida de cada um, no nosso povo, nas nossas comunidades, mas, por
maiores que possam parecer, Deus nunca deixa que sejamos submergidos. Frente ao
desânimo que poderia aparecer na vida, em quem trabalha na evangelização ou em
quem se esforça por viver a fé como pai e mãe de família, quero dizer com
força: Tenham sempre no coração esta certeza! Deus caminha a seu lado, nunca
lhes deixa desamparados! Nunca percamos a esperança! Nunca deixemos que ela se
apague nos nossos corações! O “dragão”, o mal, faz-se presente na nossa
história, mas ele não é o mais forte. Deus é o mais forte, e Deus é a nossa
esperança! É verdade que hoje, mais ou menos todas as pessoas, e também os
nossos jovens, experimentam o fascínio de tantos ídolos que se colocam no lugar
de Deus e parecem dar esperança: o dinheiro, o poder, o sucesso, o prazer.
Frequentemente, uma sensação de solidão e de vazio entra no coração de muitos e
conduz à busca de compensações, destes ídolos passageiros. Queridos irmãos e
irmãs, sejamos luzeiros de esperança! Tenhamos uma visão positiva sobre a
realidade. Encorajemos a generosidade que caracteriza os jovens,
acompanhando-lhes no processo de se tornarem protagonistas da construção de um
mundo melhor: eles são um motor potente para a Igreja e para a sociedade. Eles
não precisam só de coisas, precisam sobretudo que lhes sejam propostos aqueles
valores imateriais que são o coração espiritual de um povo, a memória de um
povo. Neste Santuário, que faz parte da memória do Brasil, podemos quase que
apalpá-los: espiritualidade, generosidade, solidariedade, perseverança, fraternidade,
alegria; trata-se de valores que encontram a sua raiz mais profunda na fé
cristã.
2. A segunda
postura: Deixar-se surpreender por Deus. Quem é homem e mulher de esperança – a
grande esperança que a fé nos dá – sabe que, mesmo em meio às dificuldades,
Deus atua e nos surpreende. A história deste Santuário serve de exemplo: três
pescadores, depois de um dia sem conseguir apanhar peixes, nas águas do Rio
Parnaíba, encontram algo inesperado: uma imagem de Nossa Senhora da Conceição.
Quem poderia imaginar que o lugar de uma pesca infrutífera, tornar-se-ia o
lugar onde todos os brasileiros podem se sentir filhos de uma mesma Mãe? Deus
sempre surpreende, como o vinho novo, no Evangelho que ouvimos. Deus sempre nos
reserva o melhor. Mas pede que nos deixemos surpreender pelo seu amor, que
acolhamos as suas surpresas. Confiemos em Deus! Longe d’Ele, o vinho da
alegria, o vinho da esperança, se esgota. Se nos aproximamos d’Ele, se
permanecemos com Ele, aquilo que parece água fria, aquilo que é dificuldade,
aquilo que é pecado, se transforma em vinho novo de amizade com Ele.
3. A
terceira postura: Viver na alegria. Queridos amigos, se caminhamos na
esperança, deixando-nos surpreender pelo vinho novo que Jesus nos oferece, há
alegria no nosso coração e não podemos deixar de ser testemunhas dessa alegria.
O cristão é alegre, nunca está triste. Deus nos acompanha. Temos uma Mãe que
sempre intercede pela vida dos seus filhos, por nós, como a rainha Ester na
primeira leitura (cf. Est 5, 3). Jesus nos mostrou que a face de Deus é a de um
Pai que nos ama. O pecado e a morte foram derrotados. O cristão não pode ser
pessimista! Não pode ter uma cara de quem parece num constante estado de luto.
Se estivermos verdadeiramente enamorados de Cristo e sentirmos o quanto Ele nos
ama, o nosso coração se “incendiará” de tal alegria que contagiará quem estiver
ao nosso lado. Como dizia Bento XVI, aqui neste Santuário: “O discípulo sabe
que sem Cristo não há luz, não há esperança, não há amor, não há futuro”
(Discurso inaugural da Conferência de Aparecida [13 de maio de 2007]: Insegnamenti
III/1 [2007], 861).
Queridos
amigos, viemos bater à porta da casa de Maria. Ela abriu-nos, fez-nos entrar e
nos aponta o seu Filho. Agora Ela nos pede: “Fazei o que Ele vos disser” (Jo
2,5). Sim, Mãe, nos comprometemos a fazer o que Jesus nos disser! E o faremos
com esperança, confiantes nas surpresas de Deus e cheios de alegria. Assim
seja.
4. VISITA AO HOSPITAL SÃO FRANCISCO DE ASSIS
Quarta-feira, 24 de Julho de 2013
Senhor
Arcebispo do Rio de Janeiro,
Amados
Irmãos no Episcopado
Distintas
Autoridades,
Queridos
membros da Venerável Ordem Terceira de São Francisco da Penitência,
Prezados
médicos, enfermeiros e demais profissionais de saúde,
Amados
jovens e familiares, boa noite!
Quis Deus
que meus passos, depois do Santuário de Nossa Senhora Aparecida, se dirigissem
para um particular santuário do sofrimento humano, que é o Hospital São
Francisco de Assis. É bem conhecida a conversão do Santo Patrono de vocês: o
jovem Francisco abandona riquezas e comodidades para fazer-se pobre no meio dos
pobres, entende que não são as coisas, o ter, os ídolos do mundo a verdadeira
riqueza e que estes não dão a verdadeira alegria, mas sim seguir a Cristo e
servir aos demais; mas talvez seja menos conhecido o momento em que tudo isto
se tornou concreto na sua vida: foi quando abraçou um leproso. Aquele irmão
sofredor foi “mediador de luz (…) para São Francisco de Assis” (Carta Enc.
Lumen fidei, 57), porque, em cada irmão e irmã em dificuldade, nós abraçamos a
carne sofredora de Cristo. Hoje, neste lugar de luta contra a dependência
química, quero abraçar a cada um e cada uma de vocês - vocês que são a carne de
Cristo – e pedir a Deus que encha de sentido e de esperança segura o caminho de
vocês e também o meu.
Abraçar, abraçar.
Precisamos todos aprender a abraçar quem passa necessidade, como fez São
Francisco. Há tantas situações no Brasil e no mundo que reclamam atenção,
cuidado, amor, como a luta contra a dependência química. Frequentemente, porém,
nas nossas sociedades, o que prevalece é o egoísmo. São tantos os “mercadores
de morte” que seguem a lógica do poder e do dinheiro a todo o custo! A chaga do
tráfico de drogas, que favorece a violência e que semeia a dor e a morte, exige
da inteira sociedade um ato de coragem. Não é deixando livre o uso das drogas,
como se discute em várias partes da América Latina, que se conseguirá reduzir a
difusão e a influência da dependência química. É necessário enfrentar os
problemas que estão na raiz do uso das drogas, promovendo uma maior justiça,
educando os jovens para os valores que constroem a vida comum, acompanhando
quem está em dificuldade e dando esperança no futuro. Precisamos todos de olhar
o outro com os olhos de amor de Cristo, aprender a abraçar quem passa
necessidade, para expressar solidariedade, afeto e amor.
Mas abraçar
não é suficiente. Estendamos a mão a quem vive em dificuldade, a quem caiu na
escuridão da dependência, talvez sem saber como, e digamos-lhe: Você pode se
levantar, pode subir; é exigente, mas é possível se você o quiser. Queridos
amigos, queria dizer a cada um de vocês, mas sobretudo a tantas outras pessoas
que ainda não tiveram a coragem de empreender o mesmo caminho de vocês: Você é
o protagonista da subida; esta é a condição imprescindível! Você encontrará a
mão estendida de quem quer lhe ajudar, mas ninguém pode fazer a subida no seu
lugar. Mas vocês nunca estão sozinhos! A Igreja e muitas pessoas estão
solidárias com vocês. Olhem para frente com confiança; a travessia é longa e
cansativa, mas olhem para frente, existe “um futuro certo, que se coloca numa
perspectiva diferente relativamente às propostas ilusórias dos ídolos do mundo,
mas que dá novo impulso e nova força à vida de todos os dias” (Carta Encícl.
Lumen fidei, 57). A vocês todos quero repetir: Não deixem que lhes roubem a
esperança! Não deixem que lhes roubem a esperança! Mas digo também: Não
roubemos a esperança, pelo contrário, tornemo-nos todos portadores de
esperança!
No
Evangelho, lemos a parábola do Bom Samaritano, que fala de um homem atacado por
assaltantes e deixado quase morto ao lado da estrada. As pessoas passam, olham,
mas não param; indiferentes seguem o seu caminho: não é problema delas! Quantas
vezes nós dizemos: não é um meu problema! Quantas vezes olhamos para o outro
lado e fingimos que não vemos. Somente um samaritano, um desconhecido, olha,
para, levanta-o, estende-lhe a mão e cuida dele (cf. Lc 10, 29-35). Queridos
amigos, penso que aqui, neste Hospital, se concretiza a parábola do Bom
Samaritano. Aqui não há indiferença, mas solicitude. Não há desinteresse, mas
amor. A Associação São Francisco e a Rede de Tratamento da Dependência Química
ensinam a se debruçar sobre quem passa por dificuldades porque veem nestas
pessoas a face de Cristo, porque nelas está a carne de Cristo que sofre.
Obrigado a todo pessoal do serviço médico e auxiliar aqui empenhado! O serviço
de vocês é precioso! Realizem-no sempre com amor; é um serviço feito a Cristo
presente nos irmãos: “Todas as vezes que fizestes isso a um destes mais
pequenos, que são meus irmãos, foi a mim que o fizestes” (Mt 25, 40), diz-nos
Jesus.
E quero
repetir a todos vocês que lutam contra a dependência química, a vocês
familiares que têm uma tarefa que nem sempre é fácil: a Igreja não está longe
dos esforços que vocês fazem, Ela lhes acompanha com carinho. O Senhor está ao
lado de vocês e lhes conduz pela mão. Olhem para Ele nos momentos mais duros e
Ele lhes dará consolação e esperança. E confiem também no amor materno de
Maria, sua Mãe. Esta manhã, no Santuário da Aparecida, confiei cada um de vocês
ao seu coração. Onde tivermos uma cruz para carregar, ao nosso lado sempre está
Ela, nossa Mãe. Deixo-lhes em suas mãos, enquanto, afetuosamente, a todos abençoo.
Obrigado!
5. VISITA À COMUNIDADE DA VARGINHA
Quinta-feira, 25 de julho de 2013
Queridos
irmãos e irmãs,
Que bom
poder estar com vocês aqui! Desde o início, quando planejava a minha visita ao
Brasil, o meu desejo era poder visitar todos os bairros deste País. Queria
bater em cada porta, dizer “bom dia”, pedir um copo de água fresca, beber um
"cafezinho", falar como a amigos de casa, ouvir o coração de cada um,
dos pais, dos filhos, dos avós... Mas o Brasil é tão grande! Não é possível
bater em todas as portas! Então escolhi vir aqui, visitar a Comunidade de vocês
que hoje representa todos os bairros do Brasil. Como é bom ser bem acolhido,
com amor, generosidade, alegria! Basta ver como vocês decoraram as ruas da
Comunidade; isso é também um sinal do carinho que nasce do coração de vocês, do
coração dos brasileiros, que está em festa! Muito obrigado a cada um de vocês
pela linda acolhida! Agradeço a Dom Orani Tempesta e ao casal Rangler e Joana
pelas suas belas palavras.
1. Desde o
primeiro instante em que toquei as terras brasileiras e também aqui junto de
vocês, me sinto acolhido. E é importante saber acolher; é algo mais bonito que
qualquer enfeite ou decoração. Isso é assim porque quando somos generosos
acolhendo uma pessoa e partilhamos algo com ela – um pouco de comida, um lugar
na nossa casa, o nosso tempo - não ficamos mais pobres, mas enriquecemos. Sei
bem que quando alguém que precisa comer bate na sua porta, vocês sempre dão um
jeito de compartilhar a comida: como diz o ditado, sempre se pode “colocar mais
água no feijão”! E vocês fazem isto com amor, mostrando que a verdadeira
riqueza não está nas coisas, mas no coração!
E povo
brasileiro, sobretudo as pessoas mais simples, pode dar para o mundo uma grande
lição de solidariedade, que é uma palavra frequentemente esquecida ou
silenciada, porque é incômoda. Queria lançar um apelo a todos os que possuem
mais recursos, às autoridades públicas e a todas as pessoas de boa vontade
comprometidas com a justiça social: Não se cansem de trabalhar por um mundo
mais justo e mais solidário! Ninguém pode permanecer insensível às desigualdades
que ainda existem no mundo! Cada um, na medida das próprias possibilidades e
responsabilidades, saiba dar a sua contribuição para acabar com tantas
injustiças sociais! Não é a cultura do egoísmo, do individualismo, que
frequentemente regula a nossa sociedade, aquela que constrói e conduz a um
mundo mais habitável, mas sim a cultura da solidariedade; ver no outro não um
concorrente ou um número, mas um irmão.
Quero
encorajar os esforços que a sociedade brasileira tem feito para integrar todas
as partes do seu corpo, incluindo as mais sofridas e necessitadas, através do
combate à fome e à miséria. Nenhum esforço de “pacificação” será duradouro, não
haverá harmonia e felicidade para uma sociedade que ignora, que deixa à margem,
que abandona na periferia parte de si mesma. Uma sociedade assim simplesmente
empobrece a si mesma; antes, perde algo de essencial para si mesma.
Lembremo-nos sempre: somente quando se é capaz de compartilhar é que se
enriquece de verdade; tudo aquilo que se compartilha se multiplica! A medida da
grandeza de uma sociedade é dada pelo modo como esta trata os mais
necessitados, quem não tem outra coisa senão a sua pobreza!
2. Queria
dizer-lhes também que a Igreja, “advogada da justiça e defensora dos pobres
diante das intoleráveis desigualdades sociais e econômicas, que clamam ao céu”
(Documento de Aparecida, 395), deseja oferecer a sua colaboração em todas as
iniciativas que signifiquem um autêntico desenvolvimento do homem todo e de
todo o homem. Queridos amigos, certamente é necessário dar o pão a quem tem
fome; é um ato de justiça. Mas existe também uma fome mais profunda, a fome de
uma felicidade que só Deus pode saciar. Não existe verdadeira promoção do bem comum,
nem verdadeiro desenvolvimento do homem, quando se ignoram os pilares
fundamentais que sustentam uma nação, os seus bens imateriais: a vida, que é
dom de Deus, um valor que deve ser sempre tutelado e promovido; a família,
fundamento da convivência e remédio contra a desagregação social; a educação
integral, que não se reduz a uma simples transmissão de informações com o fim
de gerar lucro; a saúde, que deve buscar o bem-estar integral da pessoa,
incluindo a dimensão espiritual, que é essencial para o equilíbrio humano e uma
convivência saudável; a segurança, na convicção de que a violência só pode ser
vencida a partir da mudança do coração humano.
3. Queria
dizer uma última coisa. Aqui, como em todo o Brasil, há muitos jovens. Vocês,
queridos jovens, possuem uma sensibilidade especial frente às injustiças, mas
muitas vezes se desiludem com notícias que falam de corrupção, com pessoas que,
em vez de buscar o bem comum, procuram o seu próprio benefício. Também para
vocês e para todas as pessoas repito: nunca desanimem, não percam a confiança,
não deixem que se apague a esperança. A realidade pode mudar, o homem pode
mudar. Procurem ser vocês os primeiros a praticar o bem, a não se acostumarem
ao mal, mas a vencê-lo. A Igreja está ao lado de vocês, trazendo-lhes o bem
precioso da fé, de Jesus Cristo, que veio “para que todos tenham vida, e vida
em abundância” (Jo 10,10).
Hoje a todos
vocês, especialmente aos moradores dessa Comunidade de Varginha, quero dizer:
Vocês não estão sozinhos, a Igreja está com vocês, o Papa está com vocês. Levo
a cada um no meu coração e faço minhas as intenções que vocês carregam no seu
íntimo: os agradecimentos pelas alegrias, os pedidos de ajuda nas dificuldades,
o desejo de consolação nos momentos de tristeza e sofrimento. Tudo isso confio
à intercessão de Nossa Senhora Aparecida, Mãe de todos os pobres do Brasil, e
com grande carinho lhes concedo a minha Bênção.
6. ENCONTRO COM OS JOVENS ARGENTINOS NA CATEDRAL
Quinta-feira, 25 de julho de 2013
Obrigado! Obrigado pela presença! Obrigado por terem vindo!
Obrigado àqueles que estão cá dentro! E muito obrigado àqueles que ficaram lá
fora, aos trinta mil – dizem-me – que estão lá fora. Lhes saúdo daqui. Estão à
chuva… Obrigado pelo gesto de virem ter comigo, obrigado por terem vindo à
Jornada da Juventude. Eu tinha sugerido ao Doutor Gasbarri – que é a pessoa que
gere, que organiza a viagem – que encontrasse um lugarzinho para um encontro
com vocês e, em metade de um dia, arranjou tudo. Quero agradecer publicamente
ao Doutor Gasbarri também por isso que ele conseguiu fazer hoje.
Desejo dizer-lhes qual é a consequência que eu espero da
Jornada da Juventude: espero que façam barulho. Aqui farão barulho, sem dúvida.
Aqui, no Rio, farão barulho, farão certamente. Mas eu quero que se façam ouvir
também nas dioceses, quero que saiam, quero que a Igreja saia pelas estradas,
quero que nos defendamos de tudo o que é mundanismo, imobilismo, nos defendamos
do que é comodidade, do que é clericalismo, de tudo aquilo que é viver fechados
em nós mesmos. As paróquias, as escolas, as instituições são feitas para sair; se
não o fizerem, tornam-se uma ONG e a Igreja não pode ser uma ONG. Que me
perdoem os Bispos e os sacerdotes, se alguns depois lhes criarem confusão. Mas
este é o meu conselho. Obrigado pelo que vocês puderem fazer.
Olhem! Eu penso que, neste momento, a civilização mundial
ultrapassou os limites, ultrapassou os limites porque criou um tal culto do
deus dinheiro, que estamos na presença de uma filosofia e uma prática de
exclusão dos dois pólos da vida que constituem as promessas dos povos. A
exclusão dos idosos, obviamente: alguém poderia ser levado a pensar que nisso
exista, oculta, uma espécie de eutanásia, isto é, não se cuida dos idosos; mas
há também uma eutanásia cultural, porque não se lhes deixa falar, não se lhes
deixa agir. E a exclusão dos jovens: a percentagem que temos de jovens sem
trabalho, sem emprego, é muito alta e temos uma geração que não tem experiência
da dignidade ganha com o trabalho. Assim, esta civilização nos levou a excluir
os dois vértices que são o nosso futuro. Por isso os jovens devem irromper,
devem fazer-se valer; os jovens devem sair para lutar pelos valores, lutar por
estes valores; e os idosos devem tomar a palavra, os idosos devem tomar a
palavra e ensinar-nos! Que eles nos transmitam a sabedoria dos povos!
Pensando ao povo argentino, de coração sincero peço aos
idosos: não esmoreçam na missão de ser a reserva cultura do nosso povo; reserva
que transmite a justiça, que transmite a história, que transmite os valores,
que transmite a memória do povo. E vocês, por favor, não se ponham contra os
idosos: deixem-nos falar, ouçam-nos e sigam em frente. Mas saibam, saibam que
neste momento vocês, jovens, e os idosos estão condenados ao mesmo destino: a
exclusão. Não se deixem descartar. Claro, para isso acho que vocês devem
trabalhar. A fé em Jesus Cristo não é uma brincadeira; é uma coisa muito séria.
É um escândalo que Deus tenha vindo fazer-se um de nós. É um escândalo que Ele
tenha morrido numa cruz. É um escândalo: o escândalo da Cruz. A Cruz continua a
escandalizar; mas é o único caminho seguro: o da Cruz, o de Jesus, o da
Encarnação de Jesus. Por favor, não “espremam” a fé em Jesus Cristo. Há a
espremedura de laranja, há a espremedura de maçã, há a espremedura de banana,
mas, por favor, não bebam “espremedura” de fé. A fé é integral, não se espreme.
É a fé em Jesus. É a fé no Filho de Deus feito homem, que me amou e morreu por
mim. Resumindo: primeiro, façam-se ouvir, cuidem dos extremos da população que
são os idosos e os jovens. Não se deixem excluir e não deixem que se excluam os
idosos. Segundo, não “espremam” a fé em Jesus Cristo. Com as Bem-aventuranças…
que devemos fazer, Padre? Olhe! Você leia as Bem-aventuranças, que lhe farão
bem. Se, depois, você quer saber concretamente o que deve fazer, leia o
capítulo 25 de Mateus, que é o regulamento segundo o qual vamos ser julgados.
Com essas duas coisas, vocês têm o Plano de Ação: as Bem-aventuranças e Mateus
25. Você não precisam ler mais. Isso lhes peço de todo o coração. Está bem?
Obrigado por essa unidade. Tenho pena que vocês estejam aí enjaulados; eu lhes
digo uma coisa: às vezes também eu sinto isso; e não é uma boa coisa estar
enjaulado. Isso lhes confesso de coração, mas paciência! Eu entendo vocês.
Também eu gostaria de estar mais perto de vocês, mas entendo que, por razões de
segurança, não se pode. Obrigado por terem vindo! Obrigado por rezarem por mim!
Isto lhes peço de coração. Preciso. Eu preciso de suas orações, tenho tanta
necessidade. Obrigado por isso! Bem! Eu quero lhes dar a Bênção e, depois,
benzeremos a imagem da Virgem que vai percorrer toda a República… e a cruz de
São Francisco; viajarão em missão. Mas não esqueçam! Façam-se ouvir; cuidem dos
dois extremos da vida: os dois extremos da história dos povos que são os idosos
e os jovens; e não “espremam” a fé. E agora façamos uma oração para benzer a
imagem da Virgem e, em seguida, dar-lhes a Bênção.
Pomo-nos de pé para a Bênção, mas antes quero agradecer as
palavras que disse-me Dom Arancedo, porque, como verdadeiro mal-educado, não
lhe agradeci. Portanto, obrigado pelas suas palavras!
ORAÇÃO
Em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo.
Ave Maria...
Senhor, Tu deixaste no meio de nós tua Mãe para que nos
acompanhasse.
Que Ela cuide de nós e nos proteja o nosso caminho, o nosso
coração, a nossa fé.
Que nos faça discípulos como Ela o foi, e missionários como
Ela o foi também.
Que nos ensine a sair pelas estradas.
Que nos ensine a sair de nós mesmos.
Benzemos esta imagem, Senhor, que vai percorrer o país.
Que Ela, com a sua mansidão, a sua paz, nos indique o caminho.
Senhor, Tu és um escândalo! Tu és um escândalo: o escândalo
da Cruz. Uma Cruz que é humildade, mansidão; uma Cruz que nos fala da
proximidade de Deus. Benzemos também esta imagem da Cruz que percorrerá o país.
Muito obrigado! Vemo-nos nestes dias. Que Deus lhes abençoe.
Rezem por mim. Não se esqueçam!
7. SAUDAÇÃO DO PAPA NA ACOLHIDA AOS JOVENS
Praia de Copacabana,
Quinta-feira, 25 de Julho de 2013
Jovens amigos,
«É bom
estarmos aqui!»: exclamou Pedro, depois de ter visto o Senhor Jesus
transfigurado, revestido de glória. Queremos também nós repetir estas palavras?
Penso que sim, porque para todos nós, hoje, é bom estar aqui juntos unidos em
torno de Jesus! É Ele que nos acolhe e se faz presente em meio a nós, aqui no
Rio. Mas, no Evangelho, escutamos também as palavras de Deus Pai: «Este é o meu
Filho, o Eleito. Escutai-O!» (Lc 9, 35). Então, se por um lado é Jesus quem nos
acolhe, por outro também nós devemos acolhê-lo, ficar à escuta da sua palavra,
pois é justamente acolhendo a Jesus Cristo, Palavra encarnada, que o Espírito
Santo nos transforma, ilumina o caminho do futuro e faz crescer em nós as asas
da esperança para caminharmos com alegria (cf. Carta enc. Lumen fidei, 7).
Mas o que
podemos fazer? “Bote fé”. A cruz da Jornada Mundial da Juventude peregrinou
através do Brasil inteiro com este apelo. “Bote fé”: o que significa? Quando se
prepara um bom prato e vê que falta o sal, você então “bota” o sal; falta o
azeite, então “bota” o azeite… “Botar”, ou seja, colocar, derramar.
É assim
também na nossa vida, queridos jovens: se queremos que ela tenha realmente
sentido e plenitude, como vocês mesmos desejam e merecem, digo a cada um e a
cada uma de vocês: “bote fé” e a vida terá um sabor novo, terá uma bússola que
indica a direção; “bote esperança” e todos os seus dias serão iluminados e o
seu horizonte já não será escuro, mas luminoso; “bote amor” e a sua existência
será como uma casa construída sobre a rocha, o seu caminho será alegre, porque
encontrará muitos amigos que caminham com você. “Bote fé”, “bote esperança”,
“bote amor”!
Mas quem
pode nos dar tudo isso? No Evangelho, escutamos a resposta: Cristo. “Este é o
meu Filho, o Eleito. Escutai-O”! Jesus é Aquele que nos traz a Deus e que nos
leva a Deus; com Ele toda a nossa vida se transforma, se renova e nós podemos
olhar a realidade com novos olhos, «a partir da perspectiva de Jesus e com os
seus olhos» (Carta enc. Lumen fidei, 18). Por isso, hoje, lhes digo com força:
“Bote Cristo” na sua vida, e você encontrará um amigo em quem sempre confiar;
“bote Cristo”, e você verá crescer as asas da esperança para percorrer com
alegria o caminho do futuro; “bote Cristo” e a sua vida ficará cheia do seu
amor, será uma vida fecunda.
Hoje, queria que nos perguntássemos com
sinceridade: em quem depositamos a nossa confiança? Em nós mesmos, nas coisas,
ou em Jesus? Sentimo-nos tentados a colocar a nós mesmos no centro, a crer que
somos somente nós que construímos a nossa vida, ou que ela se encha de
felicidade com o possuir, com o dinheiro, com o poder. Mas não é assim! É
verdade, o ter, o dinheiro, o poder podem gerar um momentode embriaguez, a
ilusão de ser feliz, mas, no fim de contas, são eles que nos possuem e nos
levam a querer ter sempre mais, a nunca estar saciados. “Bote Cristo” na sua
vida, deposite n’Ele a sua confiança e você nunca se decepcionará! Vejam,
queridos amigos, a fé realiza na nossa vida uma revolução que podíamos chamar
copernicana, porque nos tira do centro e o restitui a Deus; a fé nos imerge no
seu amor que nos dá segurança, força, esperança. Aparentemente não muda nada,
mas, no mais íntimo de nós mesmos, tudo muda. No nosso coração, habita a paz, a
mansidão, a ternura, a coragem, a serenidade e a alegria, que são os frutos do
Espírito Santo (cf. Gl 5, 22) e a nossa existência se transforma, o nosso modo
de pensar e agir se renova, torna-se o modo de pensar e de agir de Jesus, de
Deus. No Ano da Fé, esta Jornada Mundial da Juventude é justamente um dom que
nos é oferecido para ficarmos ainda mais perto de Jesus, para ser seus
discípulos e seus missionários, para deixar que Ele renove a nossa vida.
Querido
jovem: “bote Cristo” na sua vida. Nestes dias, Ele lhe espera na Palavra;
escute-O com atenção e o seu coração será inflamado pela sua presença; “Bote
Cristo”: Ele lhe acolhe no Sacramento do perdão, para curar, com a sua
misericórdia, as feridas do pecado. Não tenham medo de pedir perdão a Deus. Ele
nunca se cansa de nos perdoar, como um pai que nos ama. Deus é pura
misericórdia! “Bote Cristo: Ele lhe espera no encontro com a sua Carne na Eucaristia,
Sacramento da sua presença, do seu sacrifício de amor, e na humanidade de
tantos jovens que vão lhe enriquecer com a sua amizade, lhe encorajar com o seu
testemunho de fé, lhe ensinar a linguagem da caridade, da bondade, do serviço.
Você também, querido jovem, pode ser uma testemunha jubilosa do seu amor, uma
testemunha corajosa do seu Evangelho para levar a este nosso mundo um pouco de
luz.
“É bom
estarmos aqui”, botando Cristo na nossa vida, botando a fé, a esperança, o amor
que Ele nos dá. Queridos amigos, nesta celebração acolhemos a imagem de Nossa
Senhora Aparecida. Com Maria, queremos ser discípulos e missionários. Como Ela,
queremos dizer «sim» a Deus. Peçamos ao seu coração de mãe que interceda por
nós, para que os nossos corações estejam disponíveis para amar a Jesus e
fazê-lo amar. Ele está esperando por nós e conta conosco! Amém.
8. HORA DA AVE MARIA/ANGELUS - Balcão do Arcebispado, Rio de Janeiro
Sexta-feira, 26 de Julho de 2013
Caríssimos
irmãos e amigos, bom dia!
Dou graças à
divina Providência por ter guiado meus passos até aqui, na cidade de São
Sebastião do Rio de Janeiro. Agradeço de coração sincero a Dom Orani e também a
vocês pelo acolhimento caloroso, com que manifestam seu carinho pelo Sucessor
de Pedro. Desejaria que a minha passagem por esta cidade do Rio renovasse em
todos o amor a Cristo e à Igreja, a alegria de estar unidos a Ele e de
pertencer a Igreja e o compromisso de viver e testemunhar a fé.
Uma
belíssima expressão da fé do povo é a “Hora da Ave Maria”. É uma oração simples
que se reza nos três momentos característicos da jornada que marcam o ritmo da
nossa atividade quotidiana: de manhã, ao meio-dia e ao anoitecer. É, porém, uma
oração importante; convido a todos a rezá-la com a Ave Maria. Lembra-nos de um
acontecimento luminoso que transformou a história: a Encarnação, o Filho de
Deus se fez homem em Jesus de Nazaré.
Hoje a
Igreja celebra os pais da Virgem Maria, os avós de Jesus: São Joaquim e
Sant’Ana. Na casa deles, veio ao mundo Maria, trazendo consigo aquele mistério
extraordinário da Imaculada Conceição; na casa deles, cresceu, acompanhada pelo
seu amor e pela sua fé; na casa deles, aprendeu a escutar o Senhor e seguir a
sua vontade. São Joaquim e Sant’Ana fazem parte de uma longa corrente que
transmitiu a fé e o amor a Deus, no calor da família, até Maria, que acolheu em
seu seio o Filho de Deus e o ofereceu ao mundo, ofereceu-o a nós. Vemos aqui o
valor precioso da família como lugar privilegiado para transmitir a fé!
Olhando para
o ambiente familiar, queria destacar uma coisa: hoje, na festa de São Joaquim e
Sant’Ana, no Brasil como em outros países, se celebra a festa dos avós. Como os
avós são importantes na vida da família, para comunicar o patrimônio de
humanidade e de fé que é essencial para qualquer sociedade! E como é importante
o encontro e o diálogo entre as gerações, principalmente dentro da família.
O Documento
de Aparecida nos recorda: “Crianças e anciãos constroem o futuro dos povos; as
crianças porque levarão por adiante a história, os anciãos porque transmitem a
experiência e a sabedoria de suas vidas” (Documento de Aparecida, 447).
Esta
relação, este diálogo entre as gerações é um tesouro que deve ser conservado e
alimentado! Nesta Jornada Mundial da Juventude, os jovens querem saudar os
avós. Eles saúdam os seus avós com muito carinho. Aos avós. Saudamos os avós.
Eles, os jovens, saúdam os seus avós com muito carinho e lhes agradecem pelo
testemunho de sabedoria que nos oferecem continuamente.
E agora,
nesta praça, nas ruas adjacentes, nas casas que acompanham conosco este momento
de oração, sintamo-nos como uma única grande família e nos dirijamos a Maria
para que guarde as nossas famílias, faça delas lares de fé e de amor, onde se
sinta a presença do seu Filho Jesus [reza do «Ângelus»].
9. VIA SACRA – PRAIA DE COPACABANA
Sexta-feira, 26 de
julho de 2013
Queridos
jovens,
Viemos hoje
acompanhar Jesus no seu caminho de dor e de amor, o caminho da Cruz, que é um
dos momentos fortes da Jornada Mundial da Juventude. No final do Ano Santo da
Redenção, o Bem-aventurado João Paulo II quis confiá-la a vocês, jovens,
dizendo-lhes: «Levai-a pelo mundo, como sinal do amor de Jesus pela humanidade
e anunciai a todos que só em Cristo morto e ressuscitado há salvação e
redenção» (Palavras aos jovens [22 de abril de 1984]: Insegnamenti VII,1(1984),
1105). A partir de então a Cruz percorreu todos os continentes e atravessou os
mais variados mundos da existência humana, ficando quase que impregnada com as
situações de vida de tantos jovens que a viram e carregaram. Ninguém pode tocar
a Cruz de Jesus sem deixar algo de si mesmo nela e sem trazer algo da Cruz de
Jesus para sua própria vida. Nesta tarde, acompanhando o Senhor, queria que
ressoassem três perguntas nos seus corações: O que vocês terão deixado na Cruz,
queridos jovens brasileiros, nestes dois anos em que ela atravessou seu imenso
País? E o que terá deixado a Cruz de Jesus em cada um de vocês? E, finalmente,
o que esta Cruz ensina para a nossa vida?
1. Uma
antiga tradição da Igreja de Roma conta que o Apóstolo Pedro, saindo da cidade
para fugir da perseguição do Imperador Nero, viu que Jesus caminhava na direção
oposta e, admirado, lhe perguntou: «Para onde vais, Senhor?». E a resposta de
Jesus foi: «Vou a Roma para ser crucificado outra vez». Naquele momento, Pedro
entendeu que devia seguir o Senhor com coragem até o fim, mas entendeu
sobretudo que nunca estava sozinho no caminho; com ele, sempre estava aquele
Jesus que o amara até o ponto de morrer na Cruz. Pois bem, Jesus com a sua cruz
atravessa os nossos caminhos para carregar os nossos medos, os nossos
problemas, os nossos sofrimentos, mesmo os mais profundos. Com a Cruz, Jesus se
une ao silêncio das vítimas da violência, que já não podem clamar, sobretudo os
inocentes e indefesos; nela Jesus se une às famílias que passam por
dificuldades, que choram a perda de seus filhos, ou que sofrem vendo-os presas
de paraísos artificiais como a droga; nela Jesus se une a todas as pessoas que
passam fome, num mundo que todos os dias joga fora toneladas de comida; nela Jesus
se une a quem é perseguido pela religião, pelas ideias, ou simplesmente pela
cor da pele; nela Jesus se une a tantos jovens que perderam a confiança nas
instituições políticas, por verem egoísmo e corrupção, ou que perderam a fé na
Igreja, e até mesmo em Deus, pela incoerência de cristãos e de ministros do
Evangelho. Na Cruz de Cristo, está o sofrimento, o pecado do homem, o nosso
também, e Ele acolhe tudo com seus braços abertos, carrega nas suas costas as
nossas cruzes e nos diz: Coragem! Você não está sozinho a levá-la! Eu a levo
com você. Eu venci a morte e vim para lhe dar esperança, dar-lhe vida (cf. Jo
3,16).
2. E assim
podemos responder à segunda pergunta: o que foi que a Cruz deixou naqueles que
a viram, naqueles que a tocaram? O que deixa em cada um de nós? Deixa um bem
que ninguém mais pode nos dar: a certeza do amor inabalável de Deus por nós. Um
amor tão grande que entra no nosso pecado e o perdoa, entra no nosso sofrimento
e nos dá a força para poder levá-lo, entra também na morte para derrotá-la e
nos salvar. Na Cruz de Cristo, está todo o amor de Deus, a sua imensa
misericórdia. E este é um amor em que podemos confiar, em que podemos crer.
Queridos jovens, confiemos em Jesus, abandonemo-nos totalmente a Ele (cf. Carta
enc. Lumen fidei, 16)! Só em Cristo morto e ressuscitado encontramos salvação e
redenção. Com Ele, o mal, o sofrimento e a morte não têm a última palavra,
porque Ele nos dá a esperança e a vida: transformou a Cruz, de instrumento de
ódio, de derrota, de morte, em sinal de amor, de vitória e de vida. O primeiro
nome dado ao Brasil foi justamente o de «Terra de Santa Cruz». A Cruz de Cristo
foi plantada não só na praia, há mais de cinco séculos, mas também na história,
no coração e na vida do povo brasileiro e não só: o Cristo sofredor, sentimo-lo
próximo, como um de nós que compartilha o nosso caminho até o final. Não há
cruz, pequena ou grande, da nossa vida que o Senhor não venha compartilhar
conosco.
3. Mas a
Cruz de Cristo também nos convida a deixar-nos contagiar por este amor;
ensina-nos, pois, a olhar sempre para o outro com misericórdia e amor,
sobretudo quem sofre, quem tem necessidade de ajuda, quem espera uma palavra,
um gesto; ensina-nos a sair de nós mesmos para ir ao encontro destas pessoas e
lhes estender a mão. Tantos rostos acompanharam Jesus no seu caminho até a
Cruz: Pilatos, o Cireneu, Maria, as mulheres… Também nós diante dos demais
podemos ser como Pilatos que não teve a coragem de ir contra a corrente para
salvar a vida de Jesus, lavando-se as mãos. Queridos amigos, a Cruz de Cristo
nos ensina a ser como o Cireneu, que ajuda Jesus levar aquele madeiro pesado,
como Maria e as outras mulheres, que não tiveram medo de acompanhar Jesus até o
final, com amor, com ternura. E você como é? Como Pilatos, como o Cireneu, como
Maria? Queridos jovens, levamos as nossas alegrias, os nossos sofrimentos, os
nossos fracassos para a Cruz de Cristo; encontraremos um Coração aberto que nos
compreende, perdoa, ama e pede para levar este mesmo amor para a nossa vida,
para amar cada irmão e irmã com este mesmo amor. Assim seja!
10. HOMILIA NA MISSA COM OS BISPOS – CATEDRAL METROPOLITANA
Sábado, 27 de julho de
2013
Amados Irmãos em Cristo,
Vendo esta
catedral lotada com Bispos, sacerdotes, seminaristas, religiosos e religiosas
vindos do mundo inteiro, penso nas palavras do Salmo da Missa de hoje: «Que as
nações vos glorifiquem, ó Senhor» (Sl66). Sim, estamos aqui reunidos para
glorificar o Senhor; e o fazemos reafirmando a nossa vontade de sermos seus
instrumentos, para que não somente algumas nações, mas todas glorifiquem o
Senhor. Com a mesma parresia – coragem, ousadia – de Paulo e Barnabé,
anunciemos o Evangelho aos nossos jovens para que encontrem Cristo, luz para o
caminho, e se tornem construtores de um mundo mais fraterno. Neste sentido,
queria refletir com vocês sobre três aspectos da nossa vocação: chamados por
Deus; chamados para anunciar o Evangelho; chamados a promover a cultura do
encontro.
1. Chamados
por Deus. É importante reavivar em nós esta realidade que, frequentemente,
damos por descontada em meio a tantas atividades do dia-a-dia: «Não fostes vós
que me escolhestes, mas eu que vos escolhi», diz-nos Jesus (Jo 15,16).
Significa retornar à fonte da nossa chamada. No início de nosso caminho
vocacional, há uma eleição divina. Fomos chamados por Deus, e chamados para
permanecer com Jesus (cf. Mc 3, 14), unidos a Ele de um modo tão profundo que
nos permite dizer com São Paulo: «Eu vivo, mas não eu, é Cristo que vive em
mim» (Gal 2, 20). Este viver em Cristo configura realmente tudo aquilo que
somos e fazemos. E esta “vida em Cristo” é justamente o que garante a nossa
eficácia apostólica, a fecundidade do nosso serviço: «Eu vos designei para
irdes e para que produzais fruto e o vosso fruto permaneça» (Jo 15,16). Não é a
criatividade pastoral, não são as reuniões ou planejamentos que garantem os
frutos, mas ser fiel a Jesus, que nos diz com insistência: «Permanecei em mim,
e eu permanecerei em vós» (Jo 15, 4). E nós sabemos bem o que isso significa:
Contemplá-lo, adorá-lo e abraçá-lo, particularmente através da nossa fidelidade
à vida de oração, do nosso encontro diário com Ele presente na Eucaristia e nas
pessoas mais necessitadas. O “permanecer” com Cristo não é se isolar, mas é um
permanecer para ir ao encontro dos demais. Vem-me à cabeça umas palavras da
Bem-aventurada Madre Teresa de Calcutá: “Devemos estar muito orgulhosas da
nossa vocação, que nos dá a oportunidade de servir Cristo nos pobres. É nas favelas,
nos «cantegriles» nas Vilas miséria, que nós devemos ir procurar e servir a
Cristo. Devemos ir até eles como o sacerdote se aproxima do altar, cheio de
alegria” (Mother Instructions, I, p.80). Jesus, Bom Pastor, é o nosso
verdadeiro tesouro; procuremos fixar sempre mais n’Ele o nosso coração (cf. Lc
12, 34).
2. Chamados
para anunciar o Evangelho. Queridos bispos e sacerdotes, muitos de vocês, senão
todos, vieram acompanhar seus jovens à Jornada Mundial. Eles também ouviram as
palavras do mandato de Jesus: «Ide e fazei discípulos entre todas as nações»
(cf. Mt 28,19). É nosso compromisso ajudá-los a fazer arder, no seu coração, o
desejo de serem discípulos missionários de Jesus. Certamente muitos, diante
desse convite, poderiam sentir-se um pouco atemorizados, imaginando que ser
missionário significa deixar necessariamente o País, a família e os amigos.
Recordo o meu sonho da juventude: partir missionário para o longínquo Japão.
Mas Deus me mostrou que o meu território de missão estava muito mais perto: na
minha pátria. Ajudemos os jovens a perceberem que ser discípulo missionário é
uma consequência de ser batizado, é parte essencial do ser cristão, e que o
primeiro lugar onde evangelizar é a própria casa, o ambiente de estudo ou de
trabalho, a família e os amigos.
Não poupemos
forças na formação da juventude! São Paulo usa uma bela expressão, que se
tornou realidade na sua vida, dirigindo-se aos seus cristãos: «Meus filhos, por
vós sinto de novo as dores do parto até Cristo ser formado em vós» (Gal 4, 19).
Também nós façamos que isso se torne realidade no nosso ministério! Ajudemos os
nossos jovens a descobrir a coragem e a alegria da fé, a alegria de ser
pessoalmente amados por Deus, que deu o seu Filho Jesus para nossa salvação.
Eduquemo-los para a missão, para sair, para partir. Jesus fez assim com os seus
discípulos: não os manteve colados a si, como uma galinha com os seus
pintinhos; Ele os enviou! Não podemos ficar encerrados na paróquia, nas nossas
comunidades, quando há tanta gente esperando o Evangelho! Não se trata
simplesmente de abrir a porta para acolher, mas de sair pela porta fora para
procurar e encontrar. Decididamente pensemos a pastoral a partir da periferia,
daqueles que estão mais afastados, daqueles que habitualmente não frequentam a
paróquia. Também eles são convidados para a Mesa do Senhor.
3. Chamados
a promover a cultura do encontro. Em muitos ambientes, infelizmente, ganhou
espaço a cultura da exclusão, a “cultura do descartável”. Não há lugar para o
idoso, nem para o filho indesejado; não há tempo para se deter com o pobre
caído à margem da estrada. Às vezes parece que, para alguns, as relações
humanas sejam regidas por dois “dogmas” modernos: eficiência e pragmatismo.
Queridos Bispos, sacerdotes, religiosos e também vocês, seminaristas, que se
preparam para o ministério, tenham a coragem de ir contra a corrente. Não
renunciemos a este dom de Deus: a única família dos seus filhos. O encontro e o
acolhimento de todos, a solidariedade e a fraternidade são os elementos que
tornam a nossa civilização verdadeiramente humana.
Temos de ser
servidores da comunhão e da cultura do encontro. Permitam-me dizer: deveríamos
ser quase obsessivos neste aspecto! Não queremos ser presunçosos, impondo as
“nossas verdades”. O que nos guia é a certeza humilde e feliz de quem foi
encontrado, alcançado e transformado pela Verdade que é Cristo, e não pode
deixar de anunciá-la (cf. Lc 24, 13-35).
Queridos
irmãos e irmãs, fomos chamados por Deus, chamados para anunciar o Evangelho e
promover corajosamente a cultura do encontro. A Virgem Maria seja o nosso
modelo. Na sua vida, Ela deu «exemplo daquele afeto maternal de que devem estar
animados todos quantos cooperam na missão apostólica que a Igreja, tem de
regenerar os homens» (Conc. Ecum. Vat. II, Cost. dogm. Lumen gentium, 65). Seja
Ela a Estrela que guia com segurança nossos passos ao encontro do Senhor. Amém.
11.
ENCONTRO COM A CLASSE DIRIGENTE DO
BRASIL NO TEATRO MUNICIPAL
Sábado, 27 de julho de
2013
Excelências,
Senhoras e Senhores, bom dia!
Agradeço
a Deus pela possibilidade de me encontrar com tão respeitável representação dos
responsáveis políticos e diplomáticos, culturais e religiosos, acadêmicos e
empresariais deste Brasil imenso.
Queria
lhes falar usando a bela língua portuguesa de vocês, mas, para poder me
expressar melhor manifestando o que trago no coração, prefiro falar em
castelhano. Peço-lhes a cortesia de me perdoar!
Saúdo cordialmente a todos e lhes
expresso o meu reconhecimento. Agradeço a Dom Orani e ao senhor Walmyr Júnior
as amáveis palavras de boas vindas, de apresentação e testemunho. Nas senhoras
e nos senhores, vejo a memória e a esperança: a memória do caminho e da
consciência da sua Pátria e a esperança que esta Pátria, sempre aberta à luz
que irradia do Evangelho, possa continuar a desenvolver-se no pleno respeito
dos princípios éticos fundados na dignidade transcendente da pessoa.
Memória do passado e utopia na perspectiva do futuro
se encontram no presente, que não é uma conjuntura sem história e sem promessa,
mas um momento no tempo, um desafio a recolher sabedoria e sabê-la projetar.
Todos aqueles que possuem um papel de responsabilidade, em uma Nação, são
chamados a enfrentar o futuro "com os olhos calmos de quem sabe ver a
verdade", como dizia o pensador brasileiro Alceu Amoroso Lima [“Nosso
tempo”, in: A vida sobrenatural e o mundo moderno (Rio de Janeiro 1956), 106].
Queria compartilhar com os senhores e senhoras três aspectos deste olhar calmo,
sereno e sábio: primeiro, a originalidade de uma tradição cultural; segundo, a
responsabilidade solidária para construir o futuro; e terceiro, o diálogo construtivo
para encarar o presente.
1. Antes de mais nada, é justo
valorizar a originalidade dinâmica que caracteriza a cultura brasileira, com a
sua extraordinária capacidade para integrar elementos diversos. O sentir comum
de um povo, as bases do seu pensamento e da sua criatividade, os princípios
fundamentais da sua vida, os critérios de juízo sobre as prioridades, sobre as
normas de ação, assentam, fundem-se e crescem numa visão integral da pessoa
humana.
Esta visão do homem e da vida, tal como a fez própria o povo
brasileiro, recebeu também a seiva do Evangelho, a fé em Jesus Cristo, no amor
de Deus e a fraternidade com o próximo. A riqueza desta seiva pode fecundar um
processo cultural fiel à identidade brasileira e, ao mesmo tempo, um processo
construtor de um futuro melhor para todos. Um processo que faz crescer a
humanização integral e a cultura do encontro e do relacionamento; este é o modo
cristão de promover o bem comum, a alegria de viver. E aqui convergem a fé e a
razão, a dimensão religiosa com os diversos aspectos da cultura humana: arte,
ciência, trabalho, literatura... O cristianismo une transcendência e
encarnação; tem a capacidade de revitalizar sempre o pensamento e a vida,
frente à ameaça da frustração e do desencanto que podem invadir os corações e
saltam para a rua.
2. O segundo
elemento que queria tocar é a responsabilidade social. Esta exige um certo tipo
de paradigma cultural e, consequentemente, de política. Somos responsáveis pela
formação de novas gerações, por ajudá-las a ser hábeis na economia e na
política, e firmes nos valores éticos. O futuro exige hoje o trabalho de
reabilitar a política; reabilitar a política, que é uma das formas mais altas
da caridade. O futuro exige também uma visão humanista da economia e uma
política que realize cada vez mais e melhor a participação das pessoas,
evitando elitismos e erradicando a pobreza. Que ninguém fique privado do
necessário, e que a todos sejam asseguradas dignidade, fraternidade e
solidariedade: esta é a estrada proposta. Já no tempo do profeta Amós era muito
frequente a advertência de Deus: «Eles vendem o justo por dinheiro, o
indigente, por um par de sandálias; esmagam a cabeça dos fracos no pó da terra
e tornam a vida dos oprimidos impossível» (Am 2, 6-7). Os gritos por justiça
continuam ainda hoje.
Quem detém uma função de guia –
permitam-me dizer –quem a vida ungiu como guia deve ter objetivos concretos e
buscar os meios específicos para alcançá-los, mas também pode haver o perigo da
desilusão, da amargura, da indiferença, quando as aspirações não se realizam.
Aqui faço apelo à dinâmica da esperança, que nos impele a ir sempre mais longe,
a empregar todas as energias e capacidades a favor das pessoas para quem se
trabalha, aceitando os resultados e criando condições para descobrir novos
caminhos, dando-se mesmo sem ver resultados, mas mantendo viva a esperança, com
aquela constância e coragem que nascem da aceitação da própria vocação de guia
e de dirigente.
É próprio da liderança escolher a mais justa entre as opções,
após tê-las considerado, partindo da própria responsabilidade e do interesse
pelo bem comum; por esta estrada, chega-se ao centro dos males da sociedade,
para vencê-los com a ousadia de ações corajosas e livres. É nossa
responsabilidade, embora sempre limitada, esta compreensão global da realidade,
observando, medindo, avaliando, para tomar decisões na hora presente, mas
estendendo o olhar para o futuro, refletindo sobre as consequências de tais
decisões. Quem atua responsavelmente, submete a própria ação aos direitos dos outros
e ao juízo de Deus. Este sentido ético aparece, nos nossos dias, como um
desafio histórico sem precedentes; devemos procurá-lo, devemos inseri-lo na
própria sociedade. Além da racionalidade científica e técnica, na atual
situação, impõe-se o vínculo moral com uma responsabilidade social e
profundamente solidária.
3. Para
completar esta reflexão, além do humanismo integral, que respeite a cultura
original, e da responsabilidade solidária, considero fundamental para enfrentar
o presente: o diálogo construtivo. Entre a indiferença egoísta e o protesto
violento, há uma opção sempre possível: o diálogo. O diálogo entre as gerações,
o diálogo no povo, porque todos somos povo, a capacidade de dar e receber,
permanecendo abertos à verdade. Um país cresce, quando dialogam de modo
construtivo as suas diversas riquezas culturais: a cultura popular, a cultura
universitária, a cultura juvenil, a cultura artística e a cultura tecnológica,
a cultura econômica e a cultura da família, e a cultura da mídia. Quando dialogam…
É impossível imaginar um futuro para a sociedade, sem uma vigorosa contribuição
das energias morais numa democracia que permaneça fechada na pura lógica ou no
mero equilíbrio de representação de interesses constituídos. Considero também
fundamental neste diálogo a contribuição das grandes tradições religiosas, que
desempenham um papel fecundo de fermento da vida social e de animação da
democracia. Favorável à pacífica convivência entre religiões diversas é a
laicidade do Estado que, sem assumir como própria qualquer posição
confessional, respeita e valoriza a presença da dimensão religiosa na
sociedade, favorecendo as suas expressões mais concretas.
Quando os
líderes dos diferentes setores me pedem um conselho, a minha resposta é sempre
é a mesma: diálogo, diálogo, diálogo. A única maneira para uma pessoa, uma
família, uma sociedade crescer, a única maneira para fazer avançar a vida dos
povos é a cultura do encontro; uma cultura segundo a qual todos têm algo de bom
para dar, e todos podem receber em troca algo de bom. O outro tem sempre algo
para nos dar, desde que saibamos nos aproximar dele com uma atitude aberta e
disponível, sem preconceitos. Esta atitude aberta, disponível e sem
preconceitos, eu a definiria como «humildade social» que é o que favorece o
diálogo. Só assim pode crescer o bom
entendimento entre as culturas e as religiões, a estima de umas pelas outras
livre de suposições gratuitas e num clima de respeito pelos direitos de cada
uma. Hoje, ou se aposta no diálogo, na cultura do encontro, ou todos perdemos.
Todos perdemos… Passa por aqui o caminho fecundo.
Excelências,
Senhoras e Senhores!
Agradeço-lhes
pela atenção. Acolham estas palavras como expressão da minha solicitude de
Pastor de Igreja e do respeito e afeto que nutro pelo povo brasileiro. A
fraternidade entre os homens e a colaboração para construir uma sociedade mais
justa não são um sonho fantasioso, mas o resultado de um esforço harmônico de
todos em favor do bem comum. Encorajo os senhores neste seu empenho em favor do
bem comum, que exige da parte de todos sabedoria, prudência e generosidade.
Confio-lhes ao Pai do Céu, pedindo-lhe, por intercessão de Nossa Senhora
Aparecida, que cumule de seus dons a cada um dos presentes, suas respectivas
famílias e comunidades humanas e de trabalho e, de coração, peço a Deus que
lhes abençoe. Muito obrigado!
12. ENCONTRO COM O EPISCOPADO BRASILEIRO
Sábado, 27 de Julho de 2013
Queridos
Irmãos!
Como é bom e
agradável encontrar-me aqui com vocês, Bispos do Brasil!
Obrigado por
terem vindo, e permitam que lhes fale como amigos, pelo que prefiro usar o
castelhano, para poder expressar melhor aquilo que levo no coração. Peço-lhes
que me perdoem!
Retiramo-nos
um pouco, neste lugar preparado por nosso irmão Dom Orani, para estar sozinhos
e poder falar de coração a coração como Pastores a quem Deus confiou o seu
Rebanho. Nas ruas do Rio, jovens de todo o mundo e muitas outras multidões
estão esperando por nós, necessitados de serem envolvidos pelo olhar
misericordioso de Cristo Bom Pastor, que nós somos chamados a tornar presente.
Por isso, gozemos deste momento de descanso, de partilha, de verdadeira
fraternidade.
Começando
pela Presidência da Conferência Episcopal e do Arcebispo do Rio de Janeiro,
quero abraçar a todos e cada um, especialmente aos Bispos eméritos.
Mais do que
um discurso formal, quero compartilhar algumas reflexões com vocês.
A primeira
veio à minha mente, quando da outra vez visitei o Santuário de Aparecida. Lá,
ao pé da imagem da Imaculada Conceição, eu rezei por vocês, por suas Igrejas,
por seus presbíteros, religiosos e religiosas, por seus seminaristas, pelos
leigos e as suas famílias, em particular pelos jovens e os idosos, já que ambos
constituem a esperança de um povo: os jovens, porque eles carregam a força, o
sonho, a esperança do futuro, e os idosos, porque eles são a memória, a
sabedoria de um povo.[1]
1. Aparecida: chave de leitura para a
missão da Igreja
Em
Aparecida, Deus ofereceu ao Brasil a sua própria Mãe. Mas, em Aparecida, Deus
deu também uma lição sobre Si mesmo, sobre o seu modo de ser e agir. Uma lição
sobre a humildade que pertence a Deus como traço essencial e que está no DNA de
Deus. Há algo de perene para aprender sobre Deus e sobre a Igreja, em
Aparecida; um ensinamento, que nem a Igreja no Brasil nem o próprio Brasil devem
esquecer.
No início do
evento que é Aparecida, está a busca dos pescadores pobres. Tanta fome e poucos
recursos. As pessoas sempre precisam de pão. Os homens partem sempre das suas
carências, mesmo hoje.
Possuem um
barco frágil, inadequado; têm redes decadentes, talvez mesmo danificadas,
insuficientes.
Primeiro, há
a labuta, talvez o cansaço, pela pesca, mas o resultado é escasso: um
falimento, um insucesso. Apesar dos esforços, as redes estão vazias.
Depois,
quando foi da vontade de Deus, comparece Ele mesmo no seu Mistério. As águas
são profundas e, todavia, encerram sempre a possibilidade de Deus; e Ele chegou
de surpresa, quem sabe quando já não o esperávamos. A paciência dos que esperam
por Ele é sempre posta à prova. E Deus chegou de uma maneira nova, porque Deus
é surpresa: uma imagem de barro frágil, escurecida pelas águas do rio,
envelhecida também pelo tempo. Deus entra sempre nas vestes da pequenez.
Veem então a
imagem da Imaculada Conceição. Primeiro o corpo, depois a cabeça, em seguida a
unificação de corpo e cabeça: a unidade. Aquilo que estava quebrado retoma a
unidade. O Brasil colonial estava dividido pelo muro vergonhoso da escravatura.
Nossa Senhora Aparecida se apresenta com a face negra, primeiro dividida mas
depois unida, nas mãos dos pescadores.
Há aqui um
ensinamento que Deus quer nos oferecer. Sua beleza refletida na Mãe, concebida
sem pecado original, emerge da obscuridade do rio. Em Aparecida, logo desde o
início, Deus dá uma mensagem de recomposição do que está fraturado, de compactação
do que está dividido. Muros, abismos, distâncias ainda hoje existentes estão
destinados a desaparecer. A Igreja não pode descurar esta lição: ser
instrumento de reconciliação.
Os
pescadores não desprezam o mistério encontrado no rio, embora seja um mistério
que aparece incompleto. Não jogam fora os pedaços do mistério. Esperam a
plenitude. E esta não demora a chegar. Há aqui algo de sabedoria que devemos
aprender. Há pedaços de um mistério, como partes de um mosaico, que vamos
encontrando. Nós queremos ver muito rápido a totalidade; e Deus, pelo
contrário, Se faz ver pouco a pouco. Também a Igreja deve aprender esta
expectativa.
Depois, os
pescadores trazem para casa o mistério. O povo simples tem sempre espaço para
albergar o mistério. Talvez nós tenhamos reduzido a nossa exposição do mistério
a uma explicação racional; no povo, pelo contrário, o mistério entra pelo
coração. Na casa dos pobres, Deus encontra sempre lugar.
Os
pescadores agasalham: revestem o mistério da Virgem pescada, como se Ela tivesse
frio e precisasse ser aquecida. Deus pede para ficar abrigado na parte mais
quente de nós mesmos: o coração. Depois é Deus que irradia o calor de que
precisamos, mas primeiro entra com o subterfúgio de quem mendiga. Os pescadores
cobrem o mistério da Virgem com o manto pobre da sua fé. Chamam os vizinhos
para verem a beleza encontrada; eles se reúnem à volta dela; contam as suas
penas em sua presença e lhe confiam as suas causas. Permitem assim que possam
implementar-se as intenções de Deus: uma graça, depois a outra; uma graça que
abre para outra; uma graça que prepara outra. Gradualmente Deus vai desdobrando
a humildade misteriosa de sua força.
Há muito
para aprender nessa atitude dos pescadores. Uma Igreja que dá espaço ao
mistério de Deus; uma Igreja que alberga de tal modo em si mesma esse mistério,
que ele possa encantar as pessoas, atraí-las. Somente a beleza de Deus pode
atrair. O caminho de Deus é o encanto que atrai. Deus faz-se levar para casa.
Ele desperta no homem o desejo de guardá-lo em sua própria vida, na própria
casa, em seu coração. Ele desperta em nós o desejo de chamar os vizinhos, para
dar-lhes a conhecer a sua beleza. A missão nasce precisamente dessa fascinação
divina, dessa maravilha do encontro. Falamos de missão, de Igreja missionária.
Penso nos pescadores que chamam seus vizinhos para verem o mistério da Virgem.
Sem a simplicidade do seu comportamento, a nossa missão está fadada ao
fracasso.
A Igreja tem
sempre a necessidade urgente de não desaprender a lição de Aparecida; não a
pode esquecer. As redes da Igreja são frágeis, talvez remendadas; a barca da
Igreja não tem a força dos grandes transatlânticos que cruzam os oceanos. E,
contudo, Deus quer se manifestar justamente através dos nossos meios, meios
pobres, porque é sempre Ele que está agindo.
Queridos
irmãos, o resultado do trabalho pastoral não assenta na riqueza dos recursos,
mas na criatividade do amor. Fazem falta certamente a tenacidade, a fadiga, o
trabalho, o planejamento, a organização, mas, antes de tudo, você deve saber
que a força da Igreja não reside nela própria, mas se esconde nas águas
profundas de Deus, nas quais ela é chamada a lançar as redes.
Outra lição
que a Igreja deve sempre lembrar é que não pode afastar-se da simplicidade;
caso contrário, desaprende a linguagem do Mistério. E não só ela fica fora da
porta do Mistério, mas, obviamente, não consegue entrar naqueles que pretendem
da Igreja aquilo que não podem dar-se por si mesmos: Deus. Às vezes, perdemos
aqueles que não nos entendem, porque desaprendemos a simplicidade, inclusive
importando de fora uma racionalidade alheia ao nosso povo. Sem a gramática da
simplicidade, a Igreja se priva das condições que tornam possível «pescar» Deus
nas águas profundas do seu Mistério.
Uma última
lembrança: Aparecida surgiu em um lugar de cruzamento. A estrada que ligava
Rio, a capital, com São Paulo, a província empreendedora que estava nascendo, e
Minas Gerais, as minas muito cobiçadas pelas cortes europeias: uma encruzilhada
do Brasil colonial. Deus aparece nos cruzamentos. A Igreja no Brasil não pode
esquecer esta vocação inscrita em si mesma desde a sua primeira respiração: ser
capaz de sístole e diástole, de recolher e divulgar.
2. Apreço pelo percurso da Igreja no
Brasil
Os Bispos de
Roma tiveram sempre o Brasil e sua Igreja em seu coração. Um maravilhoso
percurso foi realizado. Passou-se das 12 dioceses durante o Concílio Vaticano I
para as atuais 275 circunscrições. Não teve início a expansão de um aparato
governamental ou de uma empresa, mas sim o dinamismo dos «cinco pães e dois
peixes» – de que fala o Evangelho – que, entrando em contato com a bondade do
Pai, em mãos calejadas, tornaram-se fecundos.
Hoje, queria
agradecer o trabalho sem parcimônia de vocês, Pastores, em suas Igrejas. Penso
nos Bispos nas florestas, subindo e descendo os rios, nas regiões semiáridas,
no Pantanal, na pampa, nas selvas urbanas das megalópoles. Amem sempre, com
total dedicação, o seu rebanho! Mas penso também em tantos nomes e tantas
faces, que deixaram marcas indeléveis no caminho da Igreja no Brasil, fazendo
palpar com a mão a grande bondade de Deus por esta Igreja[2].
Os Bispos de
Roma nunca lhes deixaram sós; seguiram de perto, encorajaram, acompanharam. Nas
últimas décadas, o Beato João XXIII convidou com insistência os Bispos
brasileiros a prepararem o seu primeiro plano pastoral e, daquele início,
cresceu uma verdadeira tradição pastoral no Brasil, que fez com que a Igreja
não fosse um transatlântico à deriva, mas tivesse sempre uma bússola. O Servo
de Deus Paulo VI, para além de encorajar a recepção do Concílio Vaticano II,
com fidelidade, mas também com traços originais (veja-se a Assembleia Geral do
CELAM, em Medellín), influiu decisivamente sobre a autoconsciência da Igreja no
Brasil através do Sínodo sobre a evangelização e de um texto fundamental de
referência que continua atual: a Evangelii
nuntiandi. O Beato João Paulo II visitou o Brasil três vezes, percorrendo-o
de cabo a rabo, de norte a sul, insistindo sobre a missão pastoral da Igreja, a
comunhão e participação, a preparação do Grande Jubileu, a nova evangelização.
Bento XVI escolheu Aparecida para realizar a V Assembleia Geral do CELAM e isso
deixou uma grande marca na Igreja de todo o Continente.
A Igreja no
Brasil recebeu e aplicou com originalidade o Concílio Vaticano II e o percurso
realizado, embora tenha tido de superar determinadas doenças infantis, levou a
uma Igreja gradualmente mais madura, aberta, generosa, missionária.
Hoje estamos
em um novo momento. Segundo a feliz expressão do Documento de Aparecida, não é
uma época de mudança, mas uma mudança de época. Sendo assim, hoje é cada vez
mais urgente nos perguntarmos: O que Deus pede a nós? A esta pergunta, queria
tentar oferecer qualquer linha de resposta.
3. O ícone de Emaús como chave de
leitura do presente e do futuro
Antes de
mais nada, não devemos ceder ao medo, de que falava o Beato John Henry Newman:
«O mundo cristão está gradualmente se tornando estéril, e esgota-se como uma
terra profundamente explorada que se torna areia».[3] Não devemos ceder ao desencanto,
ao desânimo, às lamentações. Nós trabalhamos duro e, às vezes, nos parece
acabar derrotados: apodera-se de nós o sentimento de quem tem de fazer o
balanço de uma estação já perdida, olhando para aqueles que nos deixam ou já
não nos consideram credíveis, relevantes.
Vamos ler a
esta luz, mais uma vez, o episódio de Emaús (cf. Lc 24, 13-15). Os dois
discípulos escapam de Jerusalém. Eles se afastam da «nudez» de Deus. Estão
escandalizados com o falimento do Messias, em quem haviam esperado e que agora
aparece irremediavelmente derrotado, humilhado, mesmo após o terceiro dia (cf.
vv. 17-21). O mistério difícil das pessoas que abandonam a Igreja; de pessoas
que, após deixar-se iludir por outras propostas, consideram que a Igreja – a
sua Jerusalém – nada mais possa lhes oferecer de significativo e importante. E
assim seguem pelo caminho sozinhos, com a sua desilusão. Talvez a Igreja lhes
apareça demasiado frágil, talvez demasiado longe das suas necessidades, talvez
demasiado pobre para dar resposta às suas inquietações, talvez demasiado fria
para com elas, talvez demasiado autorreferencial, talvez prisioneira da própria
linguagem rígida, talvez lhes pareça que o mundo fez da Igreja uma relíquia do
passado, insuficiente para as novas questões; talvez a Igreja tenha respostas
para a infância do homem, mas não para a sua idade adulta.[4] O fato é que hoje
há muitos que são como os dois discípulos de Emaús; e não apenas aqueles que
buscam respostas nos novos e difusos grupos religiosos, mas também aqueles que
parecem já viver sem Deus tanto em teoria como na prática.
Perante esta
situação, o que fazer?
Faz falta
uma Igreja que não tenha medo de entrar na noite deles. Precisamos de uma
Igreja capaz de encontrá-los no seu caminho. Precisamos de uma Igreja capaz de
inserir-se na sua conversa. Precisamos de uma Igreja que saiba dialogar com
aqueles discípulos, que, fugindo de Jerusalém, vagam sem meta, sozinhos, com o
seu próprio desencanto, com a desilusão de um cristianismo considerado hoje um
terreno estéril, infecundo, incapaz de gerar sentido.
A
globalização implacável e a intensa urbanização, frequentemente selvagem,
prometeram muito. Muitos se enamoraram das suas potencialidades e, nelas,
existe algo de verdadeiramente positivo, como, por exemplo, a diminuição das
distâncias, a aproximação das pessoas à cultura, a difusão da informação e dos
serviços. Mas, por outro lado, muitos vivem os seus efeitos negativos sem
dar-se conta de quanto esses prejudicam a própria visão do homem e do mundo,
gerando maior desorientação e um vazio que não conseguem explicar. Alguns
destes efeitos são a confusão acerca do sentido da vida, a desintegração
pessoal, a perda da experiência de pertencer a um «ninho», a carência de um
lugar e de laços profundos.
E, como não
há quem lhes faça companhia e mostre com a própria vida o caminho verdadeiro,
muitos buscaram atalhos, porque se apresenta demasiado alta a «medida» da
Grande Igreja. Também existem aqueles que reconhecem o ideal do homem e de vida
proposto pela Igreja, mas não têm a audácia de abraçá-lo. Pensam que este ideal
seja grande demais para eles, esteja fora das suas possibilidades; a meta a
alcançar é inatingível. Todavia não podem viver sem ter pelo menos alguma coisa
– nem que seja uma caricatura – daquilo que é parece demasiado alto e distante.
Com a desilusão no coração, partem à procura de qualquer coisa que lhes iludirá
uma vez mais, ou resignam-se a uma adesão parcial que, em última análise, não
consegue dar plenitude à sua vida.
A grande
sensação de abandono e solidão, de não pertencerem sequer a si mesmos que
muitas vezes surge dessa situação, é dolorosa demais para ser silenciada. Há
necessidade de desabafar, restando-lhes então a via da lamentação. Mas a
própria lamentação torna-se, por sua vez, como um bumerangue que regressa e
acaba aumentando a infelicidade. Ainda poucas pessoas são capazes de ouvir a
dor: é preciso pelo menos anestesiá-lo.
Perante este
panorama, precisamos de uma Igreja capaz de fazer companhia, de ir para além da
simples escuta; uma Igreja, que acompanha o caminho pondo-se em viagem com as
pessoas; uma Igreja capaz de decifrar a noite contida na fuga de tantos irmãos
e irmãs de Jerusalém; uma Igreja que se dê conta de como as razões, pelas quais
há pessoas que se afastam, contém já em si mesmas também as razões para um
possível retorno, mas é necessário saber ler a totalidade com coragem. Jesus
deu calor ao coração dos discípulos de Emaús.
Eu gostaria
que hoje nos perguntássemos todos: Somos ainda uma Igreja capaz de aquecer o
coração? Uma Igreja capaz de reconduzir a Jerusalém? Capaz de acompanhar de
novo a casa? Em Jerusalém, residem as nossas fontes: Escritura, Catequese,
Sacramentos, Comunidade, amizade do Senhor, Maria e os Apóstolos... Somos ainda
capazes de contar de tal modo essas fontes, que despertem o encanto pela sua
beleza?
Muitos se
foram, porque lhes foi prometido algo de mais alto, algo de mais forte, algo de
mais rápido.
Mas haverá
algo de mais alto que o amor revelado em Jerusalém? Nada é mais alto do que o
abaixamento da Cruz, porque lá se atinge verdadeiramente a altura do amor!
Somos ainda capazes de mostrar esta verdade para aqueles que pensam que a
verdadeira altura da vida esteja em outro lugar?
Porventura
se conhece algo de mais forte que a força escondida na fragilidade do amor, do
bem, da verdade, da beleza?
A busca do
que é cada vez mais rápido atrai o homem de hoje: internet rápida, carros
velozes, aviões rápidos, relatórios rápidos... E, todavia, se sente uma
necessidade desesperada de calma, quero dizer , de lentidão. A Igreja sabe
ainda ser lenta: no tempo para ouvir, na paciência para costurar novamente e
reconstruir? Ou a própria Igreja já se deixa arrastar pelo frenesi da
eficiência? Recuperemos, queridos Irmãos, a calma de saber sintonizar o passo
com as possibilidades dos peregrinos, com os seus ritmos de caminhada,
recuperemos a capacidade de estar lhes sempre perto para permitir a eles
abrirem uma brecha no desencanto que existe nos corações, para que possam
entrar. Eles querem esquecer Jerusalém onde residem as suas fontes, mas assim
acabarão por sentir sede. Faz falta uma Igreja ainda capaz de acompanhar o
regresso a Jerusalém! Uma Igreja, que seja capaz de fazer descobrir as coisas
gloriosas e estupendas que se dizem de Jerusalém, de fazer entender que ela é
minha Mãe, nossa Mãe, e não somos órfãos! Nela nascemos. Onde está a nossa
Jerusalém em que nascemos? No Batismo, no primeiro encontro de amor, na
chamada, na vocação![5] Precisamos de uma Igreja que volte a dar calor, a
inflamar o coração.
Precisamos
de uma Igreja capaz ainda de devolver a cidadania a muitos de seus filhos que
caminham como em um êxodo.
4. Os desafios da Igreja no Brasil
À luz do que
eu disse, quero sublinhar alguns desafios da amada Igreja que está no Brasil.
A prioridade da formação: Bispos, sacerdotes,
religiosos, leigos
Queridos
irmãos, senão formarmos ministros capazes de aquecer o coração das pessoas, de
caminhar na noite com elas, de dialogarem com as suas ilusões e desilusões, de
recompor as suas desintegrações, o que poderemos esperar para o caminho
presente e futuro? Não é verdade que Deus se tenha obscurecido nelas.
Aprendamos a olhar mais profundamente: falta quem lhes aqueça o coração, como
sucedeu com os discípulos de Emaús (cf. Lc 24,32).
Por isso, é
importante promover e cuidar uma formação qualificada que crie pessoas capazes
de descer na noite sem ser invadidas pela escuridão e perder-se; capazes de
ouvir a ilusão de muitos, sem se deixar seduzir; capazes de acolher as
desilusões, sem desesperar-se nem precipitar na amargura; capazes de tocar a
desintegração alheia, sem se deixar dissolver e decompor na sua própria
identidade.
Precisamos
de uma solidez humana, cultural, afetiva, espiritual, doutrinal.[6] Queridos
Irmãos no Episcopado, é preciso ter a coragem de levar a fundo uma revisão das
estruturas de formação e preparação do clero e do laicato da Igreja que está no
Brasil. Não é suficiente uma vaga prioridade da formação, nem documentos ou
encontros. Faz falta a sabedoria prática de levantar estruturas duradouras de
preparação em âmbito local, regional, nacional e que sejam o verdadeiro coração
para o Episcopado, sem poupar forças, solicitude e assistência. A situação
atual exige uma formação qualificada em todos os níveis. Vocês, Bispos, não
podem delegar este dever, mas devem assumi-lo como algo de fundamental para o
caminho das suas Igrejas.
Colegialidade e solidariedade da
Conferência Episcopal
Para a
Igreja no Brasil, não basta um líder nacional; precisa de uma rede de
«testemunhos» regionais, que, falando a mesma linguagem, assegurem em todos os
lugares, não a unanimidade, mas a verdadeira unidade na riqueza da diversidade.
A comunhão é
uma teia que deve ser tecida com paciência e perseverança, que vai gradualmente
«aproximando os pontos» para permitir uma cobertura cada vez mais ampla e
densa. Um cobertor só com poucos fios de lã não aquece.
É importante
lembrar Aparecida, o método de congregar a diversidade; não tanto a diversidade
de ideias para produzir um documento, mas a variedade de experiências de Deus
para pôr em movimento uma dinâmica vital.
Os
discípulos de Emaús voltaram para Jerusalém, contando a experiência que tinham
feito no encontro com o Cristo Ressuscitado (cf. Lc 24, 33-35). E lá tomaram
conhecimento das outras manifestações do Senhor e das experiências dos seus
irmãos. A Conferência Episcopal é justamente um espaço vital para permitir tal
permuta de testemunhos sobre os encontros com o Ressuscitado, no norte, no sul,
no oeste... Faz falta, pois, uma progressiva valorização do elemento local e
regional. Não é suficiente a burocracia central, mas é preciso fazer crescer a
colegialidade e a solidariedade; será uma verdadeira riqueza para todos.[7]
Estado permanente de missão e
conversão pastoral
Aparecida
falou de estado permanente de missão[8] e da necessidade de uma conversão
pastoral.[9] São dois resultados importantes daquela Assembleia para a Igreja
inteira da região, e o caminho realizado no Brasil a propósito destes dois
pontos é significativo.
Quanto à
missão, há que lembrar que a urgência deriva de sua motivação interna, isto é,
trata-se de transmitir uma herança, e, quanto ao método, é decisivo lembrar que
uma herança sucede como na passagem do testemunho, do bastão, na corrida de
estafeta: não se joga ao ar e quem consegue apanhá-lo tem sorte, e quem não
consegue fica sem nada. Para transmitir a herança é preciso entregá-la
pessoalmente, tocar a pessoa para quem você quer doar, transmitir essa herança.
Quanto à
conversão pastoral, quero lembrar que «pastoral» nada mais é que o exercício da
maternidade da Igreja. Ela gera, amamenta, faz crescer, corrige, alimenta,
conduz pela mão... Por isso, faz falta uma Igreja capaz de redescobrir as
entranhas maternas da misericórdia. Sem a misericórdia, poucas possibilidades
temos hoje de inserir-nos em um mundo de «feridos», que têm necessidade de
compreensão, de perdão, de amor.
Na missão,
mesmo continental,[10] é muito importante reforçar a família, que permanece
célula essencial para a sociedade e para a Igreja; os jovens, que são o rosto
futuro da Igreja; as mulheres, que têm um papel fundamental na transmissão da
fé e constituem uma força quotidiana que faz evoluir uma sociedade e a renova.
Não reduzamos o empenho das mulheres na Igreja,; antes, pelo contrário,
promovamos o seu papel ativo na comunidade eclesial. Se a Igreja perde as
mulheres, na sua dimensão global e real, ela corre o risco da esterilidade.
Aparecida põe em evidência também a vocação e a missão do homem na família, na
Igreja e na sociedade, como pais, trabalhadores e cidadãos.[11] Tende isso em séria
consideração!
A função da Igreja na sociedade
No âmbito da
sociedade, há somente uma coisa que a Igreja pede com particular clareza: a
liberdade de anunciar o Evangelho de modo integral, mesmo quando ele está em
contraste com o mundo, mesmo quando vai contra a corrente, defendendo o tesouro
de que é somente guardiã, e os valores dos quais não pode livremente dispor,
mas que recebeu e deve ser-lhes fiel.
A Igreja
afirma o direito de servir o homem na sua totalidade, dizendo-lhe o que Deus
revelou sobre o homem e sua realização, e ela deseja tornar presente aquele
patrimônio imaterial, sem o qual a sociedade se desintegra, as cidades seriam
arrasadas por seus próprios muros, abismos e barreiras. A Igreja tem o direito
e o dever de manter acesa a chama da liberdade e da unidade do homem.
Educação,
saúde, paz social são as urgências no Brasil. A Igreja tem uma palavra a dizer
sobre estes temas, porque, para responder adequadamente a esses desafios, não
são suficientes soluções meramente técnicas, mas é preciso ter uma visão
subjacente do homem, da sua liberdade, do seu valor, da sua abertura ao
transcendente. E vocês, queridos Irmãos, não tenham medo de oferecer esta
contribuição da Igreja que é para bem da sociedade inteira e de oferecer esta
palavra «encarnada» também com o testemunho.
A Amazônia como teste decisivo, banco
de prova para a Igreja e a sociedade brasileiras
Há um último
ponto sobre o qual gostava de deter-me e que considero relevante para o caminho
atual e futuro não só da Igreja no Brasil, mas também de toda a estrutura
social: a Amazônia. A Igreja está na Amazônia , não como aqueles que têm as
malas na mão para partir depois de terem explorado tudo o que puderam. Desde o
início que a Igreja está presente na Amazônia com missionários, congregações
religiosas, sacerdotes, leigos e bispos, e lá continua presente e determinante
no futuro daquela área. Penso no acolhimento que a Igreja na Amazônia oferece
hoje aos imigrantes haitianos depois do terrível terremoto que devastou o seu
país.
Queria convidar
todos a refletirem sobre o que Aparecida disse a propósito da Amazônia,[12]
incluindo o forte apelo ao respeito e à salvaguarda de toda a criação que Deus
confiou ao homem, não para que a explorasse rudemente, mas para que tornasse
ela um jardim. No desafio pastoral que representa a Amazônia, não posso deixar
de agradecer o que a Igreja no Brasil está fazendo: a Comissão Episcopal para a
Amazônia, criada em 1997, já deu muitos frutos e tantas dioceses responderam
pronta e generosamente ao pedido de solidariedade, enviando missionários,
leigos e sacerdotes. Agradeço a Dom Jaime Chemelo, pioneiro deste trabalho, e
ao Cardeal Hummes, atual presidente da Comissão. Mas eu gostava de acrescentar
que deveria ser mais incentivada e relançada a obra da Igreja. Fazem falta
formadores qualificados, especialmente formadores e professores de teologia,
para consolidar os resultados alcançados no campo da formação de um clero
autóctone, inclusive para se ter sacerdotes adaptados às condições locais e
consolidar por assim dizer o «rosto amazônico» da Igreja. Nisto lhes peço, por
favor, para serem corajosos, para terem parresia! No modo «porteño» [de Buenos
Aires] de falar, lhes diria para serem destemidos.
Queridos
Irmãos, procurei oferecer-lhes fraternalmente reflexões e linhas de ação em uma
Igreja como a que está no Brasil, que é um grande mosaico de pequeninas pedras,
de imagens, de formas, de problemas, de desafios, mas que por isso mesmo é uma
enorme riqueza. A Igreja não é jamais uniformidade, mas diversidades que se
harmonizam na unidade, e isso é válido em toda a realidade eclesial.
Que a Virgem
Imaculada Aparecida seja a estrela que ilumina o compromisso e o caminho de
vocês levarem Cristo, como Ela o fez, a cada homem e cada mulher de seu imenso
país. Será Ele, como fez com os dois discípulos extraviados e desiludidos de
Emaús, a aquecer o coração e a dar nova e segura esperança.
[1] O Documento de Aparecida
sublinha como as crianças, os jovens e os idosos constroem o futuro dos povos
(cf. n. 447).
[2] Penso em tantas figuras como – somente para
citar algumas – Lorscheider, Mendes de Almeida, Sales, Vital, Câmara, Macedo...
juntamente com o primeiro Bispo brasileiro, Pero Fernandes Sardinha
(1551/1556), assassinado por belicosas tribos locais.
[3] “Letter of 26 january 1833”,
in: The letters and Diaries of John Henry Newman, vol. III, Oxford 1979, p.
204.
[4] No Documento de
Aparecida, são apresentadas sinteticamente as razões de fundo deste fenómeno
(cf. n. 225).
[5] Cf. também os quatro
pontos indicados por Aparecida (ibid., n. 226).
[6] No Documento de Aparecida
é prestada grande atenção à formação do Clero, bem como dos leigos (cf. nn.
316-325; 212).
[7] Também sobre este aspecto
o Documento de Aparecida oferece directrizes importantes (cf. nn. 181-183;
189).
[8] Cf. n. 216.
[9] Cf. nn. 365-372.
[10] As conclusões da
Conferência de Aparecida insistem sobre o rosto de uma Igreja que é, por sua
natureza, evangelizadora; que existe para evangelizar, com audácia e liberdade,
a todos os níveis (cf. nn. 547-554).
[11] Cf. nn. 459-463.
[12] Cf. em particular os nn.
83-87 e, do ponto de vista de uma pastoral unitária, o n. 475.
13. ENTREVISTA À RÁDIO CATEDRAL DA ARQUIDIOCESE DO RIO
Sábado, 27 de Julho de 2013
Na tarde desta terça-feira, Papa Francisco
visitou os estúdios da Rádio Catedral, mantida pela Arquidiocese do Rio de
Janeiro. Durante sua rápida participação, deixou uma mensagem muito marcante
sobre temas que delineiam as principais posições de Francisco durante a Jornada
Mundial da Juventude do Rio de Janeiro. Acompanhe o texto na íntegra.
“Bom dia,
boa tarde, a todos que estão ouvindo. Agradeço a atenção e agradeço aqui aos
integrantes da rádio pela amabilidade por me darem o microfone. Agradeço e
estou olhando para o rádio e vejo que, hoje em dia, os meios de comunicação são
muito importantes.
Eu diria
que, uma rádio católica, hoje em dia, é o púlpito mas próximo que temos de onde
podemos anunciar os valores humanos, os valores religiosos e, sobretudo,
anunciar a Jesus Cristo, ao Senhor. Dar ao Senhor essa graça de colocá-lo em
nossas coisas.
Assim, saúdo
a todos e agradeço todo o esforço que faz esta arquidiocese para ter e manter
uma rádio que tem uma rede tão grande. A todos que estão me escutando, peço que
rezem por mim, que rezem por esta rádio, que rezem pelo bispo, que rezem pela
arquidiocese, que todos possamos nos unir na oração e que todos trabalhemos por
uma cultura mais humanista, mais repleta de valores e que não deixemos ninguém
de fora.
Que todos
trabalhemos por esta palavra que hoje em dia não é bem aceita: solidariedade. É
uma palavra que procuram deixar de lado, sempre, porquê incômoda. Todavia, é
uma palavra que reflete os valores humanos e cristãos que hoje nos pedem para
ir contra; da cultura do descartável, de que tudo é descartável.
Uma cultura
que sempre deixa as pessoas de fora: deixa à margem as crianças, deixa à margem
os jovens, deixa à margem os idosos, deixa a fora aos que não servem, aos que
não produzem, e isso não pode acontecer. Invés, a solidariedade, coloca todos
dentro. Devem seguir trabalhando por esta cultura da solidariedade e pelo
Evangelho”.
Ao responder sobre a importância da família,
Papa Francisco reiterou o caráter indissolúvel desta.
“Não somente
diria que a família é importante para a evangelização do novo mundo. A família
é importante, é necessária para a sobrevivência da humanidade. Se não existe a
família, a sobrevivência cultural da humanidade corre perigo. É a base, nos
apeteça ou não: a família”.
14. DISCURSO NA VIGÍLIA DE ORAÇÃO COM OS JOVENS - COPACABANA
Sábado, 27 de Julho de 2013
Queridos jovens,
Contemplando
vocês que hoje estão aqui presentes, me vem à mente a história de São Francisco
de Assis. Diante do Crucifixo, ele escuta a voz de Jesus que lhe diz:
«Francisco, vai e repara a minha casa». E o jovem Francisco responde, com
prontidão e generosidade, a esta chamada do Senhor para reparar sua casa. Mas
qual casa? Aos poucos, ele percebe que não se tratava fazer de pedreiro para
reparar um edifício feito de pedras, mas de dar a sua contribuição para a vida
da Igreja; era colocar-se ao serviço da Igreja, amando-a e trabalhando para que
transparecesse nela sempre mais a Face de Cristo.
Também hoje
o Senhor continua precisando de vocês, jovens, para a sua Igreja. Queridos
jovens, o Senhor precisa de vocês! Ele também hoje chama a cada um de vocês
para segui-lo na sua Igreja e ser missionário. Hoje, queridos jovens, o Senhor
lhes chama! Não em magote, mas um a um… a cada um. Escutem no coração aquilo
que lhes diz. Penso que podemos aprender algo daquilo que sucedeu nestes dias:
por causa do mau tempo, tivemos de suspender a realização desta Vigília no
“Campus Fidei”, em Guaratiba. Não quererá porventura o Senhor dizer-nos que o
verdadeiro “Campus Fidei”, o verdadeiro Campo da Fé não é um lugar geográfico,
mas somos nós mesmos? Sim, é verdade! Cada um de nós, cada um de vocês, eu,
todos. E ser discípulo missionário significa saber que somos o Campo da Fé de
Deus. Ora, partindo da denominação Campo da Fé, pensei em três imagens que
podem nos ajudar a entender melhor o que significa ser um discípulo
missionário: a primeira imagem, o campo como lugar onde se semeia; a segunda, o
campo como lugar de treinamento; e a terceira, o campo como canteiro de obras.
1. Primeiro:
o campo como lugar onde se semeia. Todos conhecemos a parábola de Jesus sobre
um semeador que saiu pelo campo lançando sementes; algumas caem à beira do
caminho, em meio às pedras, no meio de espinhos e não conseguem se desenvolver;
mas outras caem em terra boa e dão muito fruto (cf. Mt 13,1-9). Jesus mesmo explica
o sentido da parábola: a semente é a Palavra de Deus que é lançada nos nossos
corações (cf. Mt 13,18-23). Hoje – todos os dias, mas de forma especial hoje –
Jesus semeia. Quando aceitamos a Palavra de Deus, então somos o Campo da Fé!
Por favor, deixem que Cristo e a sua Palavra entrem na vida de vocês, deixem
entrar a semente da Palavra de Deus, deixem que germine, deixem que cresça.
Deus faz tudo, mas vocês deixem-no agir, deixem que Ele trabalhe neste
crescimento!
Jesus nos
diz que as sementes, que caíram à beira do caminho, em meio às pedras e em meio
aos espinhos não deram fruto. Creio que podemos, com honestidade,
perguntar-nos: Que tipo de terreno somos, que tipo de terreno queremos ser?
Quem sabe se, às vezes, somos como o caminho: escutamos o Senhor, mas na nossa
vida não muda nada, pois nos deixamos aturdir por tantos apelos superficiais
que escutamos. Eu pergunto-lhes, mas agora não respondam, cada um responde no
seu coração: Sou uma jovem, um jovem aturdido?
Ou somos como o terreno pedregoso: acolhemos Jesus com entusiasmo, mas somos
inconstantes; diante das dificuldades,
não temos a coragem de ir contra a corrente. Cada um de nós responda no seu
coração: Tenho coragem ou sou um cobarde? Ou somos como o terreno com os
espinhos: as coisas, as paixões negativas sufocam em nós as palavras do Senhor
(cf. Mt 13, 18-22). Em meu coração, tenho o hábito de jogar em dois papéis:
fazer bela figura com Deus e fazer bela figura com o diabo? O hábito de querer
receber a semente de Jesus e, ao mesmo tempo, irrigar os espinhos e as ervas
daninhas que nascem no meu coração? Hoje, porém, eu tenho a certeza que a
semente pode cair em terra boa. Nos testemunhos, ouvimos como a semente caiu em
terra boa. «Não, Padre, eu não sou terra boa! Sou uma calamidade, estou cheio
de pedras, de espinhos, de tudo». Sim, pode suceder que à superfície seja
assim, mas você liberte um pedacinho, um bocado de terra boa e deixe que caia
lá a semente e verá como vai germinar. Eu sei que vocês querem ser terreno bom,
cristãos de verdade; e não cristãos pela metade, nem cristãos “engomadinhos”,
cujo cheiro os denuncia pois parecem cristãos, mas no fundo, no fundo, não
fazem nada; são cristãos de fachada, cristãos que são “pura aparência”, mas sim
cristãos autênticos. Sei que vocês não querem viver na ilusão de uma liberdade
inconsistente que se deixa arrastar pelas modas e as conveniências do momento.
Sei que vocês apostam em algo grande, em escolhas definitivas que deem pleno
sentido. É assim ou estou enganado? É assim? Bem; se é assim, façamos uma
coisa: todos, em silêncio, fixemos o olhar no coração e cada um diga a Jesus
que quer receber a semente. Digam a Jesus: Vê, Jesus, as pedras que tem, vê os
espinhos, vê as ervas daninhas, mas vê este pedacinho de terra que te ofereço
para que entre a semente. Em silêncio, deixemos entrar a semente de Jesus.
Lembrem-se deste momento, cada um sabe o nome da semente que entrou. Deixem-na
crescer, e Deus cuidará dela.
2. O
campo...O campo, para além de ser um lugar de sementeira, é lugar de treinamento.
Jesus nos pede que o sigamos por toda a vida, pede que sejamos seus discípulos,
que “joguemos no seu time”. A maioria de vocês ama os esportes. E aqui no
Brasil, como em outros países, o futebol é paixão nacional. Sim ou não? Ora
bem, o que faz um jogador quando é convocado para jogar em um time? Deve
treinar, e muito! Também é assim a nossa vida de discípulos do Senhor.
Descrevendo os cristãos, São Paulo nos diz: «Todo atleta se impõe todo tipo de
disciplina. Eles assim procedem, para conseguirem uma coroa corruptível. Quanto
a nós, buscamos uma coroa incorruptível!» (1Co 9, 25). Jesus nos oferece algo
superior à Copa do Mundo! Algo superior à Copa do Mundo! Jesus oferece-nos a
possibilidade de uma vida fecunda, de uma vida feliz e nos oferece também um
futuro com Ele que não terá fim, na vida eterna. É o que nos oferece Jesus, mas
pede para pagarmos a entrada; e a entrada é que treinemos para estar “em
forma”, para enfrentar, sem medo, todas as situações da vida, testemunhando a
nossa fé. Através do diálogo com Ele: a oração. Padre, agora vai pôr-nos todos
a rezar? Porque não? Pergunto-lhes… mas respondam no seu coração, não em voz
alta mas no silêncio: Eu rezo? Cada um responda. Eu falo com Jesus ou tenho
medo do silêncio? Deixo que o Espírito Santo fale no meu coração? Eu pergunto a
Jesus: Que queres que eu faça, que queres da minha vida? Isto é treinar-se.
Perguntem a Jesus, falem com Jesus. E se cometerem um erro na vida, se tiverem
uma escorregadela, se fizerem qualquer coisa de mal, não tenham medo. Jesus, vê
o que eu fiz! Que devo fazer agora? Mas falem sempre com Jesus, no bem e no
mal, quando fazem uma coisa boa e quando fazem uma coisa má. Não tenham medo
d’Ele! Esta é a oração. E assim treinam no diálogo com Jesus, neste discipulado
missionário! Através dos sacramentos, que fazem crescer em nós a sua presença.
Através do amor fraterno, do saber escutar, do compreender, do perdoar, do
acolher, do ajudar os demais, qualquer pessoa sem excluir nem marginalizar
ninguém. Queridos jovens, que vocês sejam verdadeiros “atletas de Cristo”!
3. E
terceiro: o campo como canteiro de obras. Aqui mesmo vimos como se pôde
construir uma igreja: indo e vindo, os jovens e as jovens deram o melhor de si
e construíram a Igreja. Quando o nosso coração é uma terra boa que acolhe a
Palavra de Deus, quando “se sua a camisa” procurando viver como cristãos, nós
experimentamos algo maravilhoso: nunca estamos sozinhos, fazemos parte de uma
família de irmãos que percorrem o mesmo caminho; somos parte da Igreja. Esses
jovens, essas jovens não estavam sós, mas, juntos, fizeram um caminho e
construíram a Igreja; juntos, realizaram o que fez São Francisco: construir,
reparar a Igreja. Eu lhes pergunto: Querem construir a Igreja? [Sim…] Se animam
uns aos outros a fazê-lo? [Sim…] E amanhã terão esquecido este «sim» que
disseram? [Não…] Assim gosto! Somos parte da Igreja; mais ainda, tornamo-nos
construtores da Igreja e protagonistas da história. Jovens, por favor, não se
ponham na «cauda» da história. Sejam protagonistas. Joguem ao ataque! Chutem
para diante, construam um mundo melhor, um mundo de irmãos, um mundo de
justiça, de amor, de paz, de fraternidade, de solidariedade. Jogai sempre ao
ataque! São Pedro nos diz que somos pedras vivas que formam um edifício
espiritual (cf. 1Pe 2,5). E, olhando para este palco, vemos a miniatura de uma
igreja, construída com pedras vivas. Na Igreja de Jesus, nós somos as pedras
vivas, e Jesus nos pede que construamos a sua Igreja; cada um de nós é uma
pedra viva, é um pedacinho da construção e, quando vem a chuva, se faltar
aquele pedacinho, temos infiltrações e entra a água na casa. E não construam
uma capelinha, onde cabe somente um grupinho de pessoas. Jesus nos pede que a
sua Igreja viva seja tão grande que possa acolher toda a humanidade, que seja
casa para todos! Ele diz a mim, a você, a cada um: «Ide e fazei discípulos
entre todas as nações»! Nesta noite, respondamos-lhe: Sim, Senhor! Também eu
quero ser uma pedra viva; juntos queremos edificar a Igreja de Jesus! Eu quero
ir e ser construtor da Igreja de Cristo! Atrevem-se a repetir isto? Eu quero ir
e ser construtor da Igreja de Cristo! Digam agora… [os jovens repetem]. Depois
devem se lembrar que o disseram juntos.
O coração de
vocês, coração jovem, quer construir um mundo melhor. Acompanho as notícias do
mundo e vejo que muitos jovens, em tantas partes do mundo, saíram pelas
estradas para expressar o desejo de uma civilização mais justa e fraterna. Os
jovens nas estradas; são jovens que querem ser protagonistas da mudança. Por
favor, não deixem para outros o ser protagonistas da mudança! Vocês são aqueles
que tem o futuro! Vocês… Através de vocês, entra o futuro no mundo. Também a
vocês, eu peço para serem protagonistas desta mudança. Continuem a vencer a
apatia, dando uma resposta cristã às inquietações sociais e políticas que estão
surgindo em várias partes do mundo. Peço-lhes para serem construtores do mundo,
trabalharem por um mundo melhor. Queridos jovens, por favor, não «olhem da
sacada» a vida, entrem nela. Jesus não ficou na sacada, mergulhou… «Não olhem
da sacada» a vida, mergulhem nela, como fez Jesus.
Resta,
porém, uma pergunta: Por onde começamos? A quem pedimos para iniciar isso? Por
onde começamos? Uma vez perguntaram a Madre Teresa de Calcutá o que devia mudar
na Igreja; queremos começar, mas por qual parede? Por onde – perguntaram a
Madre Teresa – é preciso começar? Por ti e por mim: respondeu ela. Tinha vigor
aquela mulher! Sabia por onde começar. Hoje eu roubo a palavra a Madre Teresa e
digo também a você: Começamos? Por onde? Por ti e por mim! Cada um, de novo em
silêncio, se interrogue: se devo começar por mim, por onde principio? Cada um
abra o seu coração, para que Jesus lhe diga por onde começar.
Queridos
amigos, não se esqueçam: Vocês são o Campo da Fé! Vocês são os atletas de
Cristo! Vocês são os construtores de uma Igreja mais bela e de um mundo melhor.
Elevemos o olhar para Nossa Senhora. Ela nos ajuda a seguir Jesus, nos dá o
exemplo com o seu “sim” a Deus: «Eis aqui a serva do Senhor, faça-se em mim
segundo a tua Palavra» (Lc 1,38). Também nós o dizemos a Deus, juntos com
Maria: faça-se em mim segundo a Tua palavra. Assim seja!
15. HOMILIA NA MISSA DE ENVIO DA JMJ NA PRAIA DE COPACABANA
Domingo, 28 de Julho de 2013
Amados irmãos e irmãs,
Queridos
jovens!
«Ide e fazei
discípulos entre todas as nações». Com estas palavras, Jesus se dirige a cada
um de vocês, dizendo: «Foi bom participar nesta Jornada Mundial da Juventude,
vivenciar a fé junto com jovens vindos dos quatro cantos da terra, mas agora
você deve ir e transmitir esta experiência aos demais». Jesus lhe chama a ser
um discípulo em missão! Hoje, à luz da Palavra de Deus que acabamos de ouvir, o
que nos diz o Senhor? Que nos diz o Senhor? Três palavras: Ide, sem medo, para
servir.
1. Ide.
Durante estes dias, aqui no Rio, vocês puderam fazer a bela experiência de
encontrar Jesus e de encontrá-lo juntos, sentindo a alegria da fé. Mas a
experiência deste encontro não pode ficar trancafiada na vida de vocês ou no
pequeno grupo da paróquia, do movimento, da comunidade de vocês. Seria como
cortar o oxigênio a uma chama que arde. A fé é uma chama que se faz tanto mais
viva quanto mais é partilhada, transmitida, para que todos possam conhecer,
amar e professar que Jesus Cristo é o Senhor da vida e da história (cf. Rm 10,9).
Mas,
atenção! Jesus não disse: se vocês quiserem, se tiverem tempo, vão; mas disse:
«Ide e fazei discípulos entre todas as nações». Partilhar a experiência da fé,
testemunhar a fé, anunciar o Evangelho é o mandato que o Senhor confia a toda a
Igreja, também a você. É uma ordem, sim; mas não nasce da vontade de domínio,
da vontade de poder. Nasce da força do amor, do fato que Jesus foi quem veio
primeiro para junto de nós e não nos deu somente um pouco de Si, mas se deu por
inteiro, Ele deu a sua vida para nos salvar e mostrar o amor e a misericórdia
de Deus. Jesus não nos trata como escravos, mas como pessoas livres, como
amigos, como irmãos; e não somente nos envia, mas nos acompanha, está sempre
junto de nós nesta missão de amor.
Para onde
Jesus nos manda? Não há fronteiras, não há limites: envia-nos para todas as
pessoas. O Evangelho é para todos, e não apenas para alguns. Não é apenas para
aqueles que parecem a nós mais próximos, mais abertos, mais acolhedores. É para
todas as pessoas. Não tenham medo de ir e levar Cristo para todos os ambientes,
até as periferias existenciais, incluindo quem parece mais distante, mais
indiferente. O Senhor procura a todos, quer que todos sintam o calor da sua
misericórdia e do seu amor.
De forma
especial, queria que este mandato de Cristo -“Ide” - ressoasse em vocês, jovens
da Igreja na América Latina, comprometidos com a Missão Continental promovida
pelos Bispos. O Brasil, a América Latina, o mundo precisa de Cristo! Paulo
exclama: «Ai de mim se eu não pregar o evangelho!» (1Co 9,16). Este Continente
recebeu o anúncio do Evangelho, que marcou o seu caminho e produziu muito
fruto. Agora este anúncio é confiado também a vocês, para que ressoe com uma
força renovada. A Igreja precisa de vocês, do entusiasmo, da criatividade e da
alegria que lhes caracterizam! Um grande apóstolo do Brasil, o Bem-aventurado
José de Anchieta, partiu em missão quando tinha apenas dezenove anos! Sabem
qual é o melhor instrumento para evangelizar os jovens? Outro jovem! Este é o
caminho a ser percorrido por vocês!
2. Sem medo.
Alguém poderia pensar: «Eu não tenho nenhuma preparação especial, como é que
posso ir e anunciar o Evangelho»? Querido amigo, esse seu temor não é muito
diferente do sentimento que teve Jeremias – acabamos de ouvi-lo na leitura –
quando foi chamado por Deus para ser profeta: «Ah! Senhor Deus, eu não sei
falar, sou muito novo». Deus responde a vocês com as mesmas palavras dirigidas
a Jeremias: «Não tenhas medo... pois estou contigo para defender-te» (Jr 1,8).
Deus está conosco!
«Não tenham
medo!» Quando vamos anunciar Cristo, Ele mesmo vai à nossa frente e nos guia.
Ao enviar os seus discípulos em missão, Jesus prometeu: «Eu estou com vocês
todos os dias» (Mt 28,20). E isto é verdade também para nós! Jesus nunca deixa
ninguém sozinho! Sempre nos acompanha.
Além disso,
Jesus não disse: «Vai», mas «Ide»: somos enviados em grupo. Queridos jovens,
sintam a companhia de toda a Igreja e também a comunhão dos Santos nesta
missão. Quando enfrentamos juntos os desafios, então somos fortes, descobrimos
recursos que não sabíamos que tínhamos. Jesus não chamou os Apóstolos para que
vivessem isolados; chamou-lhes para que formassem um grupo, uma comunidade.
Queria dar uma palavra também a vocês, queridos sacerdotes, que concelebram
comigo esta Eucaristia: vocês vieram acompanhando os seus jovens, e é uma coisa
bela partilhar esta experiência de fé! Certamente isso lhes rejuvenesceu a
todos. O jovem contagia-nos com a sua juventude. Mas esta é apenas uma etapa do
caminho. Por favor, continuem acompanhando os jovens com generosidade e
alegria, ajudem-lhes a se comprometer ativamente na Igreja; que eles nunca se
sintam sozinhos! E aqui desejo agradecer cordialmente aos grupos de pastoral
juvenil, aos movimentos e novas comunidades que acompanham os jovens na sua
experiência de serem Igreja, tão criativos e tão audazes. Sigam em frente e não
tenham medo!
3. A última
palavra: para servir. No início do salmo proclamado, escutamos estas palavras:
«Cantai ao Senhor Deus um canto novo» (Sl 95, 1). Qual é este canto novo? Não
são palavras, nem uma melodia, mas é o canto da nossa vida, é deixar que a
nossa vida se identifique com a vida de Jesus, é ter os seus sentimentos, os
seus pensamentos, as suas ações. E a vida de Jesus é uma vida para os demais, a
vida de Jesus é uma vida para os demais. É uma vida de serviço.
São Paulo,
na leitura que ouvimos há pouco, dizia: «Eu me tornei escravo de todos, a fim
de ganhar o maior número possível» (1 Cor 9, 19). Para anunciar Jesus, Paulo
fez-se «escravo de todos». Evangelizar significa testemunhar pessoalmente o
amor de Deus, significa superar os nossos egoísmos, significa servir,
inclinando-nos para lavar os pés dos nossos irmãos, tal como fez Jesus.
Três
palavras: Ide, sem medo, para servir. Ide, sem medo, para servir. Seguindo
estas três palavras, vocês experimentarão que quem evangeliza é evangelizado,
quem transmite a alegria da fé, recebe mais alegria. Queridos jovens,
regressando às suas casas, não tenham medo de ser generosos com Cristo, de
testemunhar o seu Evangelho. Na primeira leitura, quando Deus envia o profeta
Jeremias, lhe dá o poder de «extirpar e destruir, devastar e derrubar,
construir e plantar» (Jr 1,10). E assim é também para vocês. Levar o Evangelho
é levar a força de Deus, para extirpar e destruir o mal e a violência; para
devastar e derrubar as barreiras do egoísmo, da intolerância e do ódio; para
construir um mundo novo. Queridos jovens, Jesus Cristo conta com vocês! A
Igreja conta com vocês! O Papa conta com vocês! Que Maria, Mãe de Jesus e nossa
Mãe, lhes acompanhe sempre com a sua ternura: «Ide e fazei discípulos entre
todas as nações». Amém.
16. ORAÇÃO DO ANGELUS – PRAIA DE COPACABANA
Domingo, 28 de Julho de 2013
Amados
irmãos e irmãs!
No término
desta Celebração Eucarística, com a qual elevamos a Deus o nosso canto de
louvor e gratidão por todas as graças recebidas durante esta Jornada Mundial da
Juventude, quero ainda agradecer a Dom Orani Tempesta e ao Cardeal Ryłko as
palavras que me dirigiram. Agradeço também a vocês, queridos jovens, por todas
as alegrias que me deram nestes dias. Obrigado! Levo vocês no meu coração!
Dirijamos
agora o nosso olhar à Mãe do Céu, a Virgem Maria. Nestes dias, Jesus lhes
repetiu com insistência o convite para serem seus discípulos-missionários;
vocês escutaram a voz do Bom Pastor que lhes chamou pelo nome e vocês
reconheceram a voz que lhes chamava (cf. Jo 10,4). Não é verdade que, nesta voz
que ressoou nos seus corações, vocês sentiram a ternura do amor de Deus? Não é
verdade que vocês experimentaram a beleza de seguir a Cristo, juntos, na
Igreja? Não é verdade que vocês compreenderam melhor que o Evangelho é a
resposta ao desejo de uma vida ainda mais plena? (cf. Jo 10,10). É verdade?
A Virgem
Imaculada intercede por nós no Céu como uma boa mãe que guarda os seus filhos.
Maria nos ensina, com a sua existência, o que significa ser discípulo
missionário. Cada vez que rezamos o Ângelus, recordamos o acontecimento que
mudou para sempre a história dos homens. Quando o anjo Gabriel anunciou a Maria
que se tornaria a Mãe de Jesus, do Salvador, Ela - mesmo sem compreender todo o
significado daquele chamado - confiou em Deus e respondeu: «Eis aqui a serva do
Senhor, faça-se em mim segundo a tua palavra» (Lc 1,38). Mas, o que fez Maria
logo em seguida? Após ter recebido a graça de ser a Mãe do Verbo encarnado, não
guardou para si aquele presente; sentiu-se responsável e partiu, saiu da sua
casa e foi, apressadamente, visitar a sua parente Isabel que precisava de ajuda
(cf. Lc 1, 38-39); cumpriu um gesto de amor, de caridade e de serviço concreto,
levando Jesus que trazia no ventre. E se apressou a fazer este gesto!
Eis aqui,
queridos amigos o nosso modelo. Aquela que recebeu o dom mais precioso de Deus,
como primeiro gesto de resposta, põe-se a caminho para servir e levar Jesus.
Peçamos a Nossa Senhora que também nos ajude a transmitir a alegria de Cristo
aos nossos familiares, aos nossos companheiros, aos nossos amigos, a todas as
pessoas. Nunca tenham medo de ser generosos com Cristo! Vale a pena! Sair e ir
com coragem e generosidade, para que cada homem e cada mulher possa encontrar o
Senhor.
Queridos
jovens, temos encontro marcado na próxima Jornada Mundial da Juventude, no ano
de 2016 em Cracóvia, na Polônia. Pela intercessão materna de Maria, peçamos a
luz do Espírito Santo sobre o caminho que nos levará a esta nova etapa de
jubilosa celebração da fé e do amor de Cristo.
17. ENCONTRO COM OS DIRIGENTES DO CELAM
Sábado, 28 de julho de 2013
1. Introdução
Agradeço ao
Senhor por esta oportunidade de poder falar com vocês, Irmãos Bispos
responsáveis do CELAM no quadriênio 2011-2015. Há 57 anos que o CELAM serve as
22 Conferências Episcopais da América Latina e do Caribe, colaborando solidária
e subsidiariamente para promover, incentivar e dinamizar a colegialidade
episcopal e a comunhão entre as Igrejas da Região e seus Pastores.
Como vocês,
também eu sou testemunha do forte impulso do Espírito na V Conferência Geral do
Episcopado da América Latina e do Caribe, em Aparecida no mês de maio de 2007,
que continua animando os trabalhos do CELAM para a anelada renovação das
Igrejas particulares. Em boa parte delas, essa renovação já está em andamento.
Gostaria de centrar esta conversação no patrimônio herdado daquele encontro
fraterno e que todos batizamos como Missão Continental.
2. Características peculiares de
Aparecida
Existem
quatro características típicas da referida V Conferência. Constituem como que
quatro colunas do desenvolvimento de Aparecida que lhe dão a sua originalidade.
2.1) Início sem documento
Medelín,
Puebla e Santo Domingo começaram os seus trabalhos com um caminho preparatório
que culminou em uma espécie de Instrumentum laboris, com base no qual se
desenrolou a discussão, a reflexão e a aprovação do documento final. Em vez
disso, Aparecida promoveu a participação das Igrejas particulares como caminho
de preparação que culminou em um documento de síntese. Este documento, embora tenha
sido ponto de referência durante a V Conferência Geral, não foi assumido como
documento de partida. O trabalho inicial foi pôr em comum as preocupações dos
Pastores perante a mudança de época e a necessidade de recuperar a vida de
discípulo e missionário com que Cristo fundou a Igreja.
2.2) Ambiente de oração com o Povo de
Deus
É importante
lembrar o ambiente de oração gerado pela partilha diária da Eucaristia e de
outros momentos litúrgicos, tendo sido sempre acompanhados pelo Povo de Deus.
Além disso, realizando-se os trabalhos na cripta do Santuário, a “música de
fundo” que os acompanhava era constituída pelos cânticos e as orações dos
fiéis.
2.3) Documento que se prolonga em
compromisso, com a Missão Continental
Neste
contexto de oração e vivência de fé, surgiu o desejo de um novo Pentecostes
para a Igreja e o compromisso da Missão Continental. Aparecida não termina com
um documento, mas prolonga-se na Missão Continental.
2.4) A presença de Nossa Senhora, Mãe
da América
É a primeira
Conferência do Episcopado da América Latina e do Caribe que se realiza em um
Santuário mariano.
3. Dimensões da Missão Continental
A Missão
Continental está projetada em duas dimensões: programática e paradigmática. A
missão programática, como o próprio nome indica, consiste na realização de atos
de índole missionária. A missão paradigmática, por sua vez, implica colocar em
chave missionária a atividade habitual das Igrejas particulares. Em
consequência disso, evidentemente, verifica-se toda uma dinâmica de reforma das
estruturas eclesiais. A “mudança de estruturas” (de caducas a novas) não é
fruto de um estudo de organização do organograma funcional eclesiástico, de que
resultaria uma reorganização estática, mas é consequência da dinâmica da
missão. O que derruba as estruturas caducas, o que leva a mudar os corações dos
cristãos é justamente a missionariedade. Daqui a importância da missão
paradigmática.
A Missão
Continental, tanto programática como paradigmática, exige gerar a consciência
de uma Igreja que se organiza para servir a todos os batizados e homens de boa
vontade. O discípulo de Cristo não é uma pessoa isolada em uma espiritualidade
intimista, mas uma pessoa em comunidade para se dar aos outros. Portanto, a
Missão Continental implica pertença eclesial.
Uma posição
como esta, que começa pelo discipulado missionário e implica entender a
identidade do cristão como pertença eclesial, pede que explicitemos quais são
os desafios vigentes da missionariedade discipular. Me limito a assinalar dois:
a renovação interna da Igreja e o diálogo com o mundo atual.
Renovação interna da Igreja
Aparecida
propôs como necessária a Conversão Pastoral. Esta conversão implica acreditar
na Boa Nova, acreditar em Jesus Cristo portador do Reino de Deus, em sua
irrupção no mundo, em sua presença vitoriosa sobre o mal; acreditar na
assistência e guia do Espírito Santo; acreditar na Igreja, Corpo de Cristo e
prolongamento do dinamismo da Encarnação.
Neste
sentido, é necessário que nos interroguemos, como Pastores, sobre o andamento
das Igrejas a que presidimos. Estas perguntas servem de guia para examinar o
estado das dioceses quanto à adoção do espírito de Aparecida, e são perguntas
que é conveniente pôr-nos, muitas vezes, como exame de consciência.
3.1.
Procuramos que o nosso trabalho e o de nossos presbíteros seja mais pastoral
que administrativo? Quem é o principal beneficiário do trabalho eclesial, a
Igreja como organização ou o Povo de Deus na sua totalidade?
3.2.
Superamos a tentação de tratar de forma reativa os problemas complexos que
surgem? Criamos um hábito proativo? Promovemos espaços e ocasiões para
manifestar a misericórdia de Deus? Estamos conscientes da responsabilidade de
repensar as atitudes pastorais e o funcionamento das estruturas eclesiais,
buscando o bem dos fiéis e da sociedade?
3.3. Na
prática, fazemos os fiéis leigos participantes da Missão? Oferecemos a Palavra
de Deus e os Sacramentos com consciência e convicção claras de que o Espírito
se manifesta neles?
3.4. Temos
como critério habitual o discernimento pastoral, servindo-nos dos Conselhos
Diocesanos? Tanto estes como os Conselhos paroquiais de Pastoral e de Assuntos
Econômicos são espaços reais para a participação laical na consulta,
organização e planejamento pastoral? O bom funcionamento dos Conselhos é
determinante. Acho que estamos muito atrasados nisso.
3.5. Nós,
Pastores Bispos e Presbíteros, temos consciência e convicção da missão dos
fiéis e lhes damos a liberdade para irem discernindo, de acordo com o seu
processo de discípulos, a missão que o Senhor lhes confia? Apoiamo-los e
acompanhamos, superando qualquer tentação de manipulação ou indevida submissão?
Estamos sempre abertos para nos deixarmos interpelar pela busca do bem da
Igreja e da sua Missão no mundo?
3.6. Os
agentes de pastoral e os fiéis em geral sentem-se parte da Igreja,
identificam-se com ela e aproximam-na dos batizados indiferentes e afastados?
Como se pode
ver, aqui estão em jogo atitudes. A Conversão Pastoral diz respeito,
principalmente, às atitudes e a uma reforma de vida. Uma mudança de atitudes é
necessariamente dinâmica: “entra em processo” e só é possível moderá-lo
acompanhando-o e discernindo-o. É importante ter sempre presente que a bússola,
para não se perder nesse caminho, é a identidade católica concebida como
pertença eclesial.
Diálogo com o mundo atual
Faz-nos bem
lembrar estas palavras do Concílio Vaticano II: As alegrias e as esperanças, as
tristezas e as angústias dos homens do nosso tempo, sobretudo dos pobres e
atribulados, são também alegrias e esperanças, tristezas e angústias dos
discípulos de Cristo (cf. GS, 1). Aqui reside o fundamento do diálogo com o
mundo atual.
A resposta
às questões existenciais do homem de hoje, especialmente das novas gerações,
atendendo à sua linguagem, entranha uma mudança fecunda que devemos realizar com
a ajuda do Evangelho, do Magistério e da Doutrina Social da Igreja. Os cenários
e areópagos são os mais variados. Por exemplo, em uma mesma cidade, existem
vários imaginários coletivos que configuram “diferentes cidades”. Se
continuarmos apenas com os parâmetros da “cultura de sempre”, fundamentalmente
uma cultura de base rural, o resultado acabará anulando a força do Espírito
Santo. Deus está em toda a parte: há que saber descobri-lo para poder
anunciá-lo no idioma dessa cultura; e cada realidade, cada idioma tem um ritmo
diferente.
4. Algumas tentações contra o
discipulado missionário
A opção pela
missionariedade do discípulo sofrerá tentações. É importante saber por onde
entra o espírito mau, para nos ajudar no discernimento. Não se trata de sair à
caça de demônios, mas simplesmente de lucidez e prudência evangélicas.
Limito-me a mencionar algumas atitudes que configuram uma Igreja “tentada”.
Trata-se de conhecer determinadas propostas atuais que podem mimetizar-se em a
dinâmica do discipulado missionário e deter, até fazê-lo fracassar, o processo
de Conversão Pastoral.
4.1. A
ideologização da mensagem evangélica. É uma tentação que se verificou na Igreja
desde o início: procurar uma hermenêutica de interpretação evangélica fora da
própria mensagem do Evangelho e fora da Igreja. Um exemplo: a dado momento,
Aparecida sofreu essa tentação sob a forma de assepsia. Foi usado, e está bem,
o método de “ver, julgar, agir” (cf. n.º 19). A tentação se encontraria em
optar por um “ver” totalmente asséptico, um “ver” neutro, o que não é viável. O
ver está sempre condicionado pelo olhar. Não há uma hermenêutica asséptica.
Então a pergunta era: Com que olhar vamos ver a realidade? Aparecida respondeu:
Com o olhar de discípulo. Assim se entendem os números 20 a 32. Existem outras
maneiras de ideologização da mensagem e, atualmente, aparecem na América Latina
e no Caribe propostas desta índole. Menciono apenas algumas:
a) O
reducionismo socializante. É a ideologização mais fácil de descobrir. Em alguns
momentos, foi muito forte. Trata-se de uma pretensão interpretativa com base em
uma hermenêutica de acordo com as ciências sociais. Engloba os campos mais
variados, desde o liberalismo de mercado até à categorização marxista.
b) A
ideologização psicológica. Trata-se de uma hermenêutica elitista que, em última
análise, reduz o “encontro com Jesus Cristo” e seu sucessivo desenvolvimento a
uma dinâmica de autoconhecimento. Costuma verificar-se principalmente em cursos
de espiritualidade, retiros espirituais, etc. Acaba por resultar numa posição
imanente auto-referencial. Não tem sabor de transcendência, nem portanto de
missionariedade.
c) A
proposta gnóstica. Muito ligada à tentação anterior. Costuma ocorrer em grupos
de elites com uma proposta de espiritualidade superior, bastante desencarnada,
que acaba por desembocar em posições pastorais de “quaestiones disputatae”. Foi
o primeiro desvio da comunidade primitiva e reaparece, ao longo da história da
Igreja, em edições corrigidas e renovadas. Vulgarmente são denominados “católicos
iluminados” (por serem atualmente herdeiros do Iluminismo).
d) A
proposta pelagiana. Aparece fundamentalmente sob a forma de restauracionismo.
Perante os males da Igreja, busca-se uma solução apenas na disciplina, na
restauração de condutas e formas superadas que, mesmo culturalmente, não
possuem capacidade significativa. Na América Latina, costuma verificar-se em
pequenos grupos, em algumas novas Congregações Religiosas, em tendências para a
“segurança” doutrinal ou disciplinar. Fundamentalmente é estática, embora possa
prometer uma dinâmica para dentro: regride. Procura “recuperar” o passado
perdido.
4.2. O
funcionalismo. A sua ação na Igreja é paralisante. Mais do que com a rota, se
entusiasma com o “roteiro”. A concepção funcionalista não tolera o mistério,
aposta na eficácia. Reduz a realidade da Igreja à estrutura de uma ONG. O que
vale é o resultado palpável e as estatísticas. A partir disso, chega-se a todas
as modalidades empresariais de Igreja. Constitui uma espécie de “teologia da
prosperidade” no organograma da pastoral.
4.3. O
clericalismo é também uma tentação muito atual na América Latina. Curiosamente,
na maioria dos casos, trata-se de uma cumplicidade viciosa: o sacerdote
clericaliza e o leigo lhe pede, por favor, que o clericalize, porque, no fundo,
lhe resulta mais cômodo. O fenômeno do clericalismo explica, em grande parte, a
falta de maturidade adulta e de liberdade cristã em boa parte do laicato da
América Latina: ou não cresce (a maioria), ou se abriga sob coberturas de
ideologizações como as indicadas, ou ainda em pertenças parciais e limitadas.
Em nossas terras, existe uma forma de liberdade laical através de experiências
de povo: o católico como povo. Aqui vê-se uma maior autonomia, geralmente
sadia, que se expressa fundamentalmente na piedade popular. O capítulo de
Aparecida sobre a piedade popular descreve, em profundidade, essa dimensão. A
proposta dos grupos bíblicos, das comunidades eclesiais de base e dos Conselhos
pastorais está na linha de superação do clericalismo e de um crescimento da
responsabilidade laical.
Poderíamos
continuar descrevendo outras tentações contra o discipulado missionário, mas
acho que estas são as mais importantes e com maior força neste momento da
América Latina e do Caribe.
5. Algumas orientações eclesiológicas
5.1. O
discipulado-missionário que Aparecida propôs às Igrejas da América Latina e do
Caribe é o caminho que Deus quer para “hoje”. Toda a projeção utópica (para o
futuro) ou restauracionista (para o passado) não é do espírito bom. Deus é real
e se manifesta no “hoje”. A sua presença, no passado, se nos oferece como
“memória” da saga de salvação realizada quer em seu povo quer em cada um de
nós; no futuro, se nos oferece como “promessa” e esperança. No passado, Deus
esteve lá e deixou sua marca: a memória nos ajuda encontrá-lo; no futuro, é
apenas promessa… e não está nos mil e um “futuríveis”. O “hoje” é o que mais se
parece com a eternidade; mais ainda: o “hoje” é uma centelha de eternidade. No
“hoje”, se joga a vida eterna.
O
discipulado missionário é vocação: chamada e convite. Acontece em um “hoje”,
mas “em tensão”. Não existe o discipulado missionário estático. O discípulo
missionário não pode possuir-se a si mesmo; a sua imanência está em tensão para
a transcendência do discipulado e para a transcendência da missão. Não admite a
auto-referencialidade: ou refere-se a Jesus Cristo ou refere-se às pessoas a
quem deve levar o anúncio dele. Sujeito que se transcende. Sujeito projetado
para o encontro: o encontro com o Mestre (que nos unge discípulos) e o encontro
com os homens que esperam o anúncio.
Por isso,
gosto de dizer que a posição do discípulo missionário não é uma posição de
centro, mas de periferias: vive em tensão para as periferias… incluindo as da
eternidade no encontro com Jesus Cristo. No anúncio evangélico, falar de
“periferias existenciais” descentraliza e, habitualmente, temos medo de sair do
centro. O discípulo-missionário é um descentrado: o centro é Jesus Cristo, que
convoca e envia. O discípulo é enviado para as periferias existenciais.
5.2. A
Igreja é instituição, mas, quando se erige em “centro”, se funcionaliza e,
pouco a pouco, se transforma em uma ONG. Então, a Igreja pretende ter luz
própria e deixa de ser aquele “mysterium lunae” de que nos falavam os Santos
Padres. Torna-se cada vez mais autorreferencial, e se enfraquece a sua
necessidade de ser missionária. De “Instituição” se transforma em “Obra”. Deixa
de ser Esposa, para acabar sendo Administradora; de Servidora se transforma em
“Controladora”. Aparecida quer uma Igreja Esposa, Mãe, Servidora, facilitadora
da fé e não controladora da fé.
5.3. Em
Aparecida, verificam-se de forma relevante duas categorias pastorais, que
surgem da própria originalidade do Evangelho e nos podem também servir de
orientação para avaliar o modo como vivemos eclesialmente o discipulado
missionário: a proximidade e o encontro. Nenhuma das duas é nova, antes
configuram a maneira como Deus se revelou na história. É o “Deus próximo” do
seu povo, proximidade que chega ao máximo quando Ele encarna. É o Deus que sai
ao encontro do seu povo. Na América Latina e no Caribe, existem pastorais
“distantes”, pastorais disciplinares que privilegiam os princípios, as
condutas, os procedimentos organizacionais… obviamente sem proximidade, sem
ternura, nem carinho. Ignora-se a “revolução da ternura”, que provocou a
encarnação do Verbo. Há pastorais posicionadas com tal dose de distância que
são incapazes de conseguir o encontro: encontro com Jesus Cristo, encontro com
os irmãos. Este tipo de pastoral pode, no máximo, prometer uma dimensão de
proselitismo, mas nunca chegam a conseguir inserção nem pertença eclesial. A
proximidade cria comunhão e pertença, dá lugar ao encontro. A proximidade toma
forma de diálogo e cria uma cultura do encontro. Uma pedra de toque para aferir
a proximidade e a capacidade de encontro de uma pastoral é a homilia. Como são
as nossas homilias? Estão próximas do exemplo de Nosso Senhor, que “falava como
quem tem autoridade”, ou são meramente prescritivas, distantes, abstratas?
5.4. Quem
guia a pastoral, a Missão Continental (seja programática seja paradigmática), é
o Bispo. Ele deve guiar, que não é o mesmo que comandar. Além de assinalar as
grandes figuras do episcopado latino-americano que todos nós conhecemos,
gostaria de acrescentar aqui algumas linhas sobre o perfil do Bispo, que já
disse aos Núncios na reunião que tivemos em Roma. Os Bispos devem ser Pastores,
próximos das pessoas, pais e irmãos, com grande mansidão: pacientes e
misericordiosos. Homens que amem a pobreza, quer a pobreza interior como
liberdade diante do Senhor, quer a pobreza exterior como simplicidade e
austeridade de vida. Homens que não tenham “psicologia de príncipes”. Homens
que não sejam ambiciosos e que sejam esposos de uma Igreja sem viver na
expectativa de outra. Homens capazes de vigiar sobre o rebanho que lhes foi
confiado e cuidando de tudo aquilo que o mantém unido: vigiar sobre o seu povo,
atento a eventuais perigos que o ameacem, mas sobretudo para cuidar da
esperança: que haja sol e luz nos corações. Homens capazes de sustentar com
amor e paciência os passos de Deus em seu povo. E o lugar onde o Bispo pode
estar com o seu povo é triplo: ou à frente para indicar o caminho, ou no meio
para mantê-lo unido e neutralizar as debandadas, ou então atrás para evitar que
alguém se desgarre, mas também, e fundamentalmente, porque o próprio rebanho
tem o seu olfato para encontrar novos caminhos.
Não quero
juntar mais detalhes sobre a pessoa do Bispo, mas simplesmente acrescentar,
incluindo-me a mim mesmo nesta afirmação, que estamos um pouco atrasados no que
a Conversão Pastoral indica. Convém que nos ajudemos um pouco mais a dar os
passos que o Senhor quer que cumpramos neste “hoje” da América Latina e do
Caribe. E seria bom começar por aqui.
Agradeço-lhes
a paciência de me ouvirem. Desculpem a desordem do discurso e lhes peço, por
favor, para tomarmos a sério a nossa vocação de servidores do povo santo e fiel
de Deus, porque é nisso que se exerce e mostra a autoridade: na capacidade de
serviço. Muito obrigado!
18. ENCONTRO COM OS VOLUNTÁRIOS DA XXVIII JMJ
Pavilhão 5 do Rio Centro, Rio de Janeiro
Domingo, 28 de Julho de 2013
Queridos
voluntários, boa tarde!
Não podia
regressar a Roma sem antes agradecer, de modo pessoal e afetuoso, a cada um de
vocês pelo trabalho e dedicação com que acompanharam, ajudaram, serviram aos
milhares de jovens peregrinos; pelos inúmeros pequenos detalhes que fizeram
desta Jornada Mundial da Juventude uma experiência inesquecível de fé. Com os
sorrisos de cada um de vocês, com a gentileza, com a disponibilidade ao
serviço, vocês provaram que "há maior alegria em dar do que em
receber" (At 20,35).
O serviço
que vocês realizaram nestes dias me lembrou da missão de São João Batista, que
preparou o caminho para Jesus. Cada um, a seu modo, foi um instrumento para que
milhares de jovens tivessem o “caminho preparado” para encontrar Jesus. E esse
é o serviço mais bonito que podemos realizar como discípulos missionários:
preparar o caminho para que todos possam conhecer, encontrar e amar o Senhor. A
vocês que, neste período, responderam com tanta prontidão e generosidade ao
chamado para ser voluntários na Jornada Mundial, queria dizer: sejam sempre
generosos com Deus e com os demais. Não se perde nada; ao contrário, é grande a
riqueza da vida que se recebe!
Deus chama
para escolhas definitivas, Ele tem um projeto para cada um: descobri-lo,
responder à própria vocação é caminhar para a realização feliz de si mesmo. A
todos Deus nos chama à santidade, a viver a sua vida, mas tem um caminho para
cada um. Alguns são chamados a se santificar constituindo uma família através
do sacramento do Matrimônio. Há quem diga que hoje o casamento está “fora de
moda”. Está fora de moda? [Não…]. Na cultura do provisório, do relativo, muitos
pregam que o importante é “curtir” o momento, que não vale a pena
comprometer-se por toda a vida, fazer escolhas definitivas, “para sempre”, uma
vez que não se sabe o que reserva o amanhã. Em vista disso eu peço que vocês
sejam revolucionários, eu peço que vocês vão contra a corrente; sim, nisto peço
que se rebelem: que se rebelem contra esta cultura do provisório que, no fundo,
crê que vocês não são capazes de assumir responsabilidades, crê que vocês não
são capazes de amar de verdade. Eu tenho confiança em vocês, jovens, e rezo por
vocês. Tenham a coragem de “ir contra a corrente”. E tenham também a coragem de
ser felizes!
O Senhor
chama alguns ao sacerdócio, a se doar a Ele de modo mais total, para amar a
todos com o coração do Bom Pastor. A outros, chama para servir os demais na
vida religiosa: nos mosteiros, dedicando-se à oração pelo bem do mundo, nos
vários setores do apostolado, gastando-se por todos, especialmente os mais
necessitados. Nunca me esquecerei daquele 21 de setembro – eu tinha 17 anos –
quando, depois de passar pela igreja de San José de Flores para me confessar,
senti pela primeira vez que Deus me chamava. Não tenham medo daquilo que Deus
lhes pede! Vale a pena dizer “sim” a Deus. N’Ele está a alegria!
Queridos
jovens, talvez algum de vocês ainda não veja claramente o que fazer da sua
vida. Peça isso ao Senhor; Ele lhe fará entender o caminho. Como fez o jovem
Samuel, que ouviu dentro de si a voz insistente do Senhor que o chamava, e não
entendia, não sabia o que dizer, mas, com a ajuda do sacerdote Eli, no final
respondeu àquela voz: Senhor, fala eu escuto (cf. 1Sm 3,1-10) . Peçam vocês
também a Jesus: Senhor, o que quereis que eu faça, que caminho devo seguir?
Caros
amigos, novamente lhes agradeço por tudo o que fizeram nestes dias. Agradeço
aos grupos pastorais, aos movimentos e novas comunidades que colocaram seus
membros ao serviço desta Jornada. Obrigado! Não se esqueçam de nada do que
vocês viveram aqui! Podem contar sempre com minhas orações, e sei que posso
contar com as orações de vocês. Uma última coisa: rezem por mim.
19. DISCURSO NA CERIMÔNIA DE DESPEDIDA NO AEROPORTO DO GALEÃO
Domingo, 28 de Julho de 2013
Senhor Vice-Presidente da República,
Distintas Autoridade Nacionais,
Estaduais e Locais,
Senhor Arcebispo de São Sebastião do
Rio de Janeiro,
Senhores Cardeais e Irmãos no
Episcopado,
Queridos
Amigos!
Dentro de
alguns instantes, deixarei sua Pátria para regressar a Roma. Parto com a alma
cheia de recordações felizes; essas – estou certo – tornar-se-ão oração. Neste
momento, já começo a sentir saudades. Saudades do Brasil, este povo tão grande
e de grande coração; este povo tão amoroso. Saudades do sorriso aberto e
sincero que vi em tantas pessoas, saudades do entusiasmo dos voluntários.
Saudades da esperança no olhar dos jovens no Hospital São Francisco. Saudades
da fé e da alegria em meio à adversidade dos moradores de Varginha. Tenho a
certeza de que Cristo vive e está realmente presente no agir de tantos e tantas
jovens e demais pessoas que encontrei nesta inesquecível semana. Obrigado pelo
acolhimento e o calor da amizade que me foram demonstrados. Também disso começo
a sentir saudades.
De modo
particular agradeço à Senhora Presidenta, aqui representada por seu
Vice-Presidente, por ter-se feito intérprete dos sentimentos de todo o povo do
Brasil para com o Sucessor de Pedro. Cordialmente agradeço a meus Irmãos Bispos
e seus inúmeros colaboradores por terem tornado estes dias uma celebração
estupenda da nossa fé fecunda e jubilosa em Jesus Cristo. Agradeço, em
especial, a Dom Orani Tempesta, Arcebispo do Rio de Janeiro, seus Bispos
Auxiliares, e Dom Raymundo Damasceno, Presidente da Conferência Episcopal.
Agradeço a todos os que tomaram parte nas celebrações da Eucaristia e nos
restantes eventos, àqueles que os organizaram, a quantos trabalharam para
difundi-los através da mídia. Agradeço, enfim, a todas as pessoas que, de um
modo ou outro, souberam acudir às necessidades de acolhida e gestão de uma
multidão imensa de jovens, sem esquecer de tantas pessoas que, no silêncio e na
simplicidade, rezaram para que esta Jornada Mundial da Juventude fosse uma
verdadeira experiência de crescimento na fé. Que Deus recompense a todos, como
só Ele sabe fazer!
Neste clima
de gratidão e saudades, penso nos jovens, protagonistas desse grande encontro:
Deus lhes abençoe por tão belo testemunho de participação viva, profunda e
alegre nestes dias! Muitos de vocês vieram como discípulos nesta peregrinação;
não tenho dúvida de que todos agora partem como missionários. A partir do
testemunho de alegria e de serviço de vocês, façam florescer a civilização do
amor. Mostrem com a vida que vale a pena gastar-se por grandes ideais,
valorizar a dignidade de cada ser humano, e apostar em Cristo e no seu
Evangelho. Foi Ele que viemos buscar nestes dias, porque Ele nos buscou
primeiro, Ele nos faz arder o coração para anunciar a Boa Nova nas grandes
metrópoles e nos pequenos povoados, no campo e em todos os locais deste nosso
vasto mundo. Continuarei a nutrir uma esperança imensa nos jovens do Brasil e
do mundo inteiro: através deles, Cristo está preparando uma nova primavera em
todo o mundo. Eu vi os primeiros resultados desta sementeira; outros
rejubilarão com a rica colheita!
O meu
pensamento final, minha última expressão das saudades, dirige-se a Nossa
Senhora Aparecida. Naquele amado Santuário, ajoelhei-me em prece pela
humanidade inteira e, de modo especial, por todos os brasileiros. Pedi a Maria
que robusteça em vocês a fé cristã, que é parte da nobre alma do Brasil, como
também de muitos outros países, tesouro de sua cultura, alento e força para construírem
uma nova humanidade na concórdia e na solidariedade.
O Papa vai
embora e lhes diz “até breve”, um “até breve” com saudades, e lhes pede, por
favor, que não se esqueçam de rezar por ele. Este Papa precisa da oração de
todos vocês. Um abraço para todos. Que Deus lhes abençoe!
20. ENTREVISTA AOS JORNALISTAS NO VOO DE RETORNO A ROMA
28 de julho de 2013
Fonte: Folha Online (http://www1.folha.uol.com.br/poder/2013/07/1318313-se-uma-pessoa-e-gay-e-busca-deus-quem-sou-eu-para-julga-lo-diz-papa.shtml)
1) Pergunta - Nestes quatro meses, o
senhor criou várias comissões. Que tipo de reforma tem em mente? O sr. quer
suprimir o banco do Vaticano?
Papa Francisco - Os passos que eu fui dando nestes
quatro meses e meio vão em duas vertentes. O conteúdo do que quero fazer vem da
congregação dos cardeais. Eu me lembro que os cardeais pediam muitas coisas
para o novo papa, antes do conclave. Eu me lembro de que tinha muita coisa. Por
exemplo, a comissão de oito cardeais, a importância de ter uma consulta
externa, e não uma consulta apenas interna.
Isso vai na linha do amadurecimento da sinodalidade e do
primado. Os vários episcopados do mundo vão se expressando em muitas propostas
que foram feitas, como a reforma da secretaria dos sínodos, que a comissão
sinodal tenha característica de consultas, como o consistório cardinalício com
temáticas específicas, como a canonização.
A vertente dos conteúdos vem daí. A segunda é a oportunidade.
A formação da primeira comissão não me custou pouco mais de um mês. Pensava em
tratar a parte econômica no ano que vem, porque não é a mais importante. Mas a
agenda mudou devido a circunstâncias que vocês conhecem.
O primeiro é o problema do IOR [banco do Vaticano], como
encaminhá-lo, como reformá-lo, como sanear o que há de ser sanado. E essa foi
então a primeira comissão.
Depois, tivemos a comissão dos 15 cardeais que se ocupam dos
assuntos econômicos da Santa Sé. E por isso decidimos fazer uma comissão para
toda a economia da Santa Sé, uma única comissão de referência. Notou-se que o
problema econômico estava fora da agenda. Mas essas coisas atendem.
Quando estamos no governo, vamos por um lado, mas, se chutam
e fazem um golaço por outro lado, temos de atacar. A vida é assim. Eu não sei
como o IOR vai ficar. Alguns acham melhor que seja um banco, outros que seja um
fundo, uma instituição de ajuda. Eu não sei. Eu confio no trabalho das pessoas
que estão trabalhando sobre isso.
O presidente do IOR permanece, o tesoureiro também, enquanto
o diretor e o vice-diretor pediram demissão. Não sei como vai terminar essa
história. E isso é bom. Não somos máquinas. Temos de achar o melhor. A
característica de, seja o que for, tem de ter transparência e honestidade.
2) Uma fotografia do senhor
deu a volta ao mundo, quando o senhor desceu as escadas do helicóptero,
carregando sua mala preta. Artigos de todo o mundo comentaram o papa que sai
com sua própria mala. Foram levantadas hipóteses também sobre o conteúdo da
mala. Por que o senhor saiu carregando a maleta preta, e não seus
colaboradores? E o senhor poderia dizer o que tinha dentro?
Não tinha a chave da bomba atômica. Eu sempre fiz isso,
Quando viajo, levo minhas coisas. E dentro o que tem? Um barbeador, um
breviário (livro de liturgia), uma agenda, tinha um livro para ler, sobre Santa
Terezinha. Sou devoto de Santa Terezinha. Eu sempre levei a minha maleta. É
normal. Temos de ser normais. É um pouco estranho isso que você me diz que a
foto deu a volta ao mundo. Mas temos de nos habituar a sermos normais, à
normalidade da vida.
3) Por que o
senhor pede tanto para que rezem pelo senhor? Não é habitual ouvir de um papa
que peça que rezem por ele.
Sempre pedi isso. Quando era padre, pedia, mas nem tanto nem
tão frequentemente. Comecei a pedir mais frequentemente quando passei a bispo.
Porque eu sinto que, se o Senhor não ajuda nesse trabalho de ajudar aos outros,
não se pode. Preciso da ajuda do Senhor. Eu de verdade me sinto com tantos
limites, tantos problemas, e também pecador. Peço a Nossa Senhora que reze por
mim. É um hábito, mas que vem da necessidade. Sinto que devo pedir. Não sei
4) Na busca por fazer essas mudanças,
o senhor disse que existem muitos santos que trabalham no Vaticano e outros um
pouco menos santos. O senhor enfrenta resistências a essa sua vontade de mudar
as coisas no Vaticano? O senhor vive num ambiente muito austero, de Santa
Marta. Os seus colaboradores também vivem essa austeridade? Isso é algo apenas
do senhor ou da comunidade?
As mudanças vêm de duas vertentes: do que pediram os cardeais
e também o que vem da minha personalidade. Você falou que eu fico na Santa
Marta. Eu não poderia viver sozinho no palácio, que não é luxuoso. O
apartamento pontifício é grande, mas não é luxuoso. Mas eu não posso viver
sozinho. Preciso de gente, falar com gente. Trabalhar com as pessoas. Porque, quando
os meninos da escola jesuíta me perguntaram se eu estava aqui pela austeridade
e pobreza, eu respondi: "Não, por motivos psiquiátricos."
Psicologicamente, não posso. Cada um deve levar adiante sua
vida, seguir seu modo de vida. Os cardeais que trabalham na Cúria não vivem
como ricos. Têm apartamentos pequenos. São austeros. Os que eu conheço têm
apartamentos pequenos.
Cada um tem de viver como o Senhor disse que tem de viver. A
austeridade é necessária para todos. Trabalhamos a serviço da igreja. É verdade
que há santos, sacerdotes, padres, gente que prega, que trabalha tanto, que vai
aos pobres, se preocupa de fazer comer os pobres. Têm santos na Cúria. Também
têm alguns que não têm muitos santos. E são estes que fazem mais barulho. Uma
árvore que cai faz mais barulho do que uma floresta que nasce. Isso me dói.
Porque são alguns que causam escândalos. São escândalos que fazem mal. Uma
coisa que nunca disse: a Cúria deveria ter o nível que tinha dos velhos padres,
pessoas que trabalham. Os velhos membros da Cúria. Precisamos deles. Precisamos
o perfil do velho da Cúria.
Sobre resistência, se tem, ainda não vi. É verdade que
aconteceram muitas coisas. Mas eu preciso dizer: eu encontrei ajuda, encontrei
pessoas leais. Por exemplo, eu gosto quando alguém me diz :"Eu não estou
de acordo". Esse é um verdadeiro colaborador. Mas, quando vejo aqueles que
dizem "ah, que belo, que belo" e depois dizem o contrario por trás,
isso não ajuda.
5) O mundo mudou, os jovens mudaram.
Temos no Brasil muitos jovens, mas o senhor não falou de aborto, sobre a
posição do Vaticano em relação ao casamento entre pessoas do mesmo sexo. No
Brasil foram aprovadas leis que ampliam os direitos para estes casamentos em
relação ao aborto. Por que o senhor não falou sobre isso?
A igreja já se expressou perfeitamente sobre isso. Eu não
queria voltar sobre isso. Não era necessário voltar sobre isso, como também não
era necessário falar sobre outros assuntos. Eu também não falei sobre o roubo,
sobre a mentira. Para isso, a igreja tem uma doutrina clara. Queria falar de
coisas positivas, que abrem caminho aos jovens. Além disso, os jovens sabem
perfeitamente qual a posição da igreja.
6) E a do papa?
É a da Igreja, eu sou filho da Igreja.
7) Qual o sentido mais profundo de se
apresentar como o bispo de Roma?
Não se deve andar mais adiante do que o que se fala. O papa é
bispo de Roma e por isso é papa, o sucessor de Pedro. Não é o caso pensar que
isso quer dizer que é o primeiro. Não é esse o sentido. O primeiro sentido do
papa é ser o bispo de Roma.
8) O senhor teve sua primeira
experiência multidinária no Rio. Como se sente como papa, é um trabalho duro?
Ser bispo é belo. O problema é quando alguém busca ter esse
trabalho, assim não é tão belo. Mas, quando o Senhor chama para ser biso, isso
é belo. Tem sempre o perigo e o pecado de pensar com superioridade, como se
fosse um príncipe. Mas o trabalho é belo. Ajudar o irmão a ir adiante. Têm o
filtro da estrada.
O bispo tem de indicar o caminho. Eu gosto de ser bispo. Em
Buenos Aires, eu era tão feliz. Como padre, era feliz. Como bispo, era feliz e
isso me faz bem.
9) E ser papa?
Se você faz o que o Senhor quer, é feliz. Esse é meu
sentimento.
10) A Igreja no Brasil está perdendo
fieis. A Renovação Carismática é uma possibilidade para evitar que eles sigam
para as igrejas pentecostais?
É verdade, as estatísticas mostram. Falamos sobre isso ontem
com os bispos brasileiros. E isso é um problema que incomoda os bispos
brasileiros.
Eu vou dizer uma coisa: nos anos 1970, início dos 1980, eu
não podia nem vê-los. Uma vez, falando sobre eles, disse a seguinte frase: eles
confundem uma celebração musical com uma escola de samba.
Eu me arrependi. Vi que os movimentos bem assessorados
trilharam um bom caminho. Agora, vejo que esse movimento faz muito bem à igreja
em geral. Em Buenos Aires, eu fazia uma missa com eles uma vez por ano, na
catedral. Vi o bem que eles faziam.
Neste momento da igreja, creio que os movimentos são
necessários. Esses movimentos são um graça para a igreja. A Renovação
Carismática não serve apenas para evitar que alguns sigam os pentecostais. Eles
são importantes para a própria igreja, a igreja que se renova.
11) A igreja sem a mulher perde a
fecundidade? Quais as medidas concretas? O senhor disse que está cansado. Há
algum tratamento especial neste voo?
Vamos começar pelo fim. Não há nenhum tratamento especial
neste voo. Na frente, tem uma bela poltrona. Escrevi para dizer que não queria
tratamento especial.
Segundo, as mulheres. Uma igreja sem as mulheres é como o
colégio apostólico sem Maria. O papal da mulher na igreja não é só maternidade,
a mãe da família. É muito mais forte. A mulher ajuda a igreja a crescer. E
pensar que a Nossa Senhora é mais importante do que os apóstolos! A igreja é
feminina, esposa, mãe.
O papel da mulher na igreja não deve ser só o de mãe e com um
trabalho limitado. Não, tem outra coisa. O papa Paulo 6° escreveu uma coisa
belíssima sobre as mulheres. Creio que se deva ir adiante esse papel. Não se
pode entender uma igreja sem uma mulher ativa.
Um exemplo histórico: para mim, as mulheres paraguaias são as
mais gloriosas da América Latina. Sobraram, depois da guerra (1864-1870), oito
mulheres para cada homem. E essas mulheres fizeram uma escolha um pouco
difícil. A escolha de ter filhos para salvar a pátria, a cultura, a fé, a
língua.
Na igreja, se deve pensar nas mulheres sob essa perspectiva.
Escolhas de risco, mas como mulher. Acredito que, até agora, não fizemos uma
profunda teologia sobre a mulher. Somente um pouco aqui, um pouco lá. Tem a que
faz a leitura, a presidente da Cáritas, mas há mais o que fazer. É necessário
fazer uma profunda teologia da mulher. Isso é o que eu penso.
12) Queremos saber qual a sua relação
de trabalho com Bento 16, não a amistosa, a de colaboração. Não houve antes uma
circunstância assim. Os contatos são frequentes?
A última vez que houve dois ou três papa, eles não se
falavam. Estavam brigando entre si, para ver quem era o verdadeiro. Eu fiquei
muito feliz quando se tornou papa. Também, quando renunciou, foi, pra mim, um
exemplo muito grande. É um homem de Deus, de reza. Hoje, ele mora no Vaticano.
Alguns me perguntam: como dois papas podem viver no Vaticano?
Eu achei uma frase para explicar isso. É como ter um avô em casa. Um avô sábio.
Na família, um avô é amado, admirado. Ele é um homem com prudência. Eu o
convidei para vir comigo em algumas ocasiões. Ele prefere ficar reservado. Se
eu tenho alguma dificuldade, não entendo alguma coisa, posso ir até ele.
Sobre o problema grave do Vatileaks [vazamento de documentos
secretos], ele me disse tudo com simplicidade. Tem uma coisa que não sei se
vocês sabem: Em 8 de fevereiro, no discurso, ele falou: "Entre vocês está
o próximo papa. Eu prometo obediência". Isso é grande.
13) O senhor falou com os bispos
brasileiros sobre a participação das mulheres na igreja. Gostaria de entender
melhor como deve ser essa participação. O que senhor pensa sobre a ordenação
das mulheres?
Sobre a participação das mulheres na igreja, não se pode
limitar a alguns cargos: a catequista, a presidente da Cáritas. Deve ser mais,
muito mais. Sobre a ordenação, a igreja já falou e disse que não. João Paulo 2°
disse com uma formulação definitiva. Essa porta está fechada. Nossa senhora,
Maria, é mais importante que os apóstolos. A mulher na igreja é mais importante
que os bispos e os padres. Acredito que falte uma especificação teológica.
14) Nesta viagem, o senhor falou de
misericórdia Sobre o acesso aos sacramentos dos divorciados, existe a
possibilidade de mudar alguma coisa na disciplina da igreja?
Essa é uma pergunta que sempre se faz. A misericórdia é maior
do que o exemplo que você deu. Essa mudança de época e também tantos problemas
na igreja, como alguns testemunhos de alguns padres, problemas de corrupção, do
clericalismo A igreja é mãe. Ela cura os feridos. Ela não se cansa de perdoar.
Os divorciados podem fazer a comunhão. Não podem quando estão
na segunda união. Esse problema deve ser estudado pela pastoral matrimonial. Há
15 dias, esteve comigo o secretário do sínodo dos bispos, para discutir o tema
do próximo sínodo. E posso dizer que estamos a caminho de uma pastoral
matrimonial mais profunda. O cardeal Guarantino disse ao meu antecessor que a
metade dos matrimônios é nula. Porque as pessoas se casam sem maturidade ou
porque socialmente devem se casar. Isso também entra na Pastoral do Matrimônio.
A questão da anulação do casamento deve ser revisada. É
complexa a questão pastoral do matrimônio.
15) Em quatro meses de Pontificado,
pode nos fazer um pequeno balanço e dizer o que foi o pior e o melhor de ser
Papa? O que mais lhe surpreendeu neste período?
Não sei como responder isso, de verdade. Coisas ruins, ruins,
não aconteceram. Coisas belas, sim. Por exemplo, o encontro com os bispos
italianos, que foi tão bonito. Como bispo da capital da Itália, me senti em
casa com eles. Uma coisa dolorosa foi a visita a Lampedusa [ilha que recebe
imigrantes africanos], me fez chorar. Me fez bem. Quando chegam estes barcos,
que os deixam a algumas milhas de distância da costa e eles têm de chegar (à
costa) sozinhos, isso me dói porque penso que essas pessoas são vítimas do
sistema socioeconômico mundial.
Mas a coisa pior é o nervo ciático, é verdade, tive isso no
primeiro mês. É verdade! Para uma entrevista, tive de me acomodar numa poltrona
e isso me fez mal, era dolorosíssimo, não desejo isso a ninguém. O encontro com
os seminaristas religiosos foi belíssimo. Também o encontro com os alunos dos
colégios jesuítas foi belíssimo. As pessoas conheci tantas pessoas boas no
Vaticano. Isso é verdade, eu faço justiça. Tantas pessoas boas, mas boas, boas,
boas.
16) Tem a esperança de que esta
viagem ao Brasil contribua para trazer de volta os fiéis? Os argentinos se
perguntam: não sente falta de estar em Buenos Aires, pegar um ônibus?
Uma viagem do papa sempre faz bem. E creio que a viagem ao Brasil
fará bem, não apenas a presença do Papa. Eles (os brasileiros) se mobilizaram e
vão ajudar muito a igreja. Tantos fiéis que foram se sentem felizes. Acho que
será positivo não só pela viagem, mas pela jornada, um evento maravilhoso.
Buenos Aires, sim, sinto falta. Mas é uma saudade serena.
17) O que o senhor pretende fazer em
relação ao monsenhor Ricca e como pretende enfrentar toda esta questão do lobby
gay?
Sobre monsenhor Ricca, fiz o que o direito canônico manda
fazer, a investigação prévia. E nessa investigação não tem nada do que o
acusam. Não achamos nada. É a minha resposta.
Quero acrescentar uma coisa a mais sobre isso. Tenho visto
que muitas vezes na igreja se buscam os pecados da juventude, por exemplo. E se
publica.
Abuso de menores é diferente. Mas, se uma pessoa, seja laica
ou padre ou freira, pecou e esconde, o Senhor perdoa. Quando o Senhor perdoa, o
Senhor esquece.
E isso é importante para a nossa vida. Quando vamos confessar
e nós dizemos que pecamos, o senhor esquece e nós não temos o direito de não
esquecer. Isso é um perigo.
O que é importante é uma teologia do pecado. Tantas vezes
penso em São Pedro, que cometeu tantos pecados e venerava Cristo. E esse
pecador foi transformado em Papa.
Vocês vêm muita coisa escrita sobre o lobby gay. Eu ainda não
vi ninguém no Vaticano com um cartão de identidade dizendo que é gay. Dizem que
há alguns. Acho que, quando alguém se vê com uma pessoa assim, devemos
distinguir entre o fato de que uma pessoa é gay e formar um lobby gay, porque
nem todos os lobbys são bons. Isso é o que é ruim.
Se uma pessoa é gay e procura Deus e tem boa vontade, quem
sou eu, por caridade, para julgá-lo? O catecismo da Igreja Católica explica
isso muito bem. Diz que eles não devem ser discriminados por causa disso, mas integrados
na sociedade. O problema não é ter essa tendência. Não! Devemos ser como
irmãos. O problema é o lobby dessa tendência, da tendência de pessoas
gananciosas: lobby político, de maçons, tantos lobbies. Esse é o pior problema.
GloboNews exibe versão completa da entrevista com o Papa Francisco
Pontífice
destacou, em entrevista a Gerson Camarotti, que a Igreja precisa de uma reforma
e que é preciso ouvir os jovens e os idosos.
O repórter Gerson Camarotti
acompanhou passo a passo a visita do Papa Francisco ao Brasil, durante a
Jornada Mundial da Juventude e fez, com exclusividade mundial, a primeira
entrevista do pontífice, desde sua eleição no Vaticano, em março deste ano.
Na entrevista, Francisco destacou
ter sentido um afeto que desconhecia, ao ser recebido, de forma muito calorosa.
“O povo brasileiro tem um grande coração. Quanto à rivalidade, creio que já
está totalmente superada, porque negociamos bem: o Papa é argentino e Deus é
brasileiro”, brincou.
saiba mais
Sobre a simplicidade que vem
demonstrando, ele afirmou o povo se sente magoado quando as pessoas consagradas
estão apegadas ao dinheiro. “Não é um bom exemplo que um sacerdote tenha um
carro do último tipo, de marca”, declara. Quanto à questão de viver em Santa
Marta, Francisco diz que não foi tanto por razões de simplicidade, mas porque
ele precisa do contato com as pessoas. “Fiquei em Santa Marta por questões
psiquiátricas. Para não ter que estar sofrendo essa solidão que não me faz bem.
E também para economizar, porque, caso contrário, teria que gastar muito
dinheiro com psiquiatras”, disse.
Papa
Francisco concede entrevista exclusiva
O Papa Francisco falou ainda
sobre a canonização de João Paulo II, que, segundo ele, “pegou a mala, correu o
mundo, e foi um missionário, espalhando a mensagem da Igreja”.
Na chegada ao Rio de Janeiro, houve
falhas na segurança e o Papa foi cercado por uma multidão. Ele disse que não
sente medo, mas que, quando for a sua vez, “o que Deus permitir, assim
será”. Francisco revelou ainda que recusou um papamóvel cercado de
vidros: “Se você vai estar com alguém que ama, amigos, e quer se comunicar,
você não vai fazer essa visita dentro de uma caixa de vidro. Eu não poderia vir
ver este povo, que tem o coração tão grande, dentro de uma caixa de vidro. E no
automóvel, quando ando pela rua, baixo o vidro para poder estender a mão e
cumprimentar as pessoas. Quer dizer, ou tudo ou nada”.
O pontífice não soube explicar o
fenômeno da evasão de fiéis no Brasil, mas apontou o afastamento da Igreja como
uma possível causa. “Igreja é mãe. A mãe dá carinho, beija, ama. Quando a
Igreja, preocupada com mil coisas, se descuida dessa proximidade, e só se
comunica com documentos, é como uma mãe que se comunica com seu filho por
carta. Não sei se isso aconteceu no Brasil, mas sei que aconteceu em algumas
regiões da Argentina. Faltam sacerdotes, então alguns locais ficam
desassistidos”, destaca.
O Papa disse não conhecer os
motivos dos protestos recentes dos jovens no Brasil, mas destacou que um jovem
que não protesta não o agrada. “O jovem tem a ilusão da utopia e a utopia não é
sempre negativa. A utopia é respirar e olhar adiante. O jovem tem menos
experiência de vida, mas às vezes a experiência nos freia. E ele tem mais
energia para defender suas ideias. Um jovem é essencialmente um inconformista e
isso é muito lindo. É preciso ouvir os jovens, cuidar para que não sejam
manipulados”, afirma. Francisco acredita que, para sustentar um modelo político
mundial, a sociedade está descartando os extremos. E, “descartando os dois, o
mundo desaba”.
O Papa destacou também a
importância de todos trabalharem pelos outros e de podar o egoísmo. Veja em
vídeo a entrevista completa.
Papa Francisco fala sobre temas polêmicas em entrevista exclusiva
Ele
recebeu o repórter Gerson Camarotti, da Globonews, e falou sobre os escândalos
no Vaticano, os protestos no Brasil, a perda de fiéis da Igreja Católica e
sobre o exemplo de simplicidade que prega para o clero.
O Jornal Nacional exibe trechos
da primeira entrevista do Papa Francisco a um jornalista desde sua eleição no Vaticano
em março deste ano. Ele recebeu o repórter Gerson Camarotti, da Globonews, e
falou no domingo (28) para o Fantástico sobre os escândalos no Vaticano, os
protestos no Brasil, a perda de fiéis da Igreja Católica e sobre o exemplo de
simplicidade que prega para o clero.
Os esforços para conseguir a
primeira entrevista do pontificado de Francisco começaram em Roma, ainda
durante a cobertura do conclave. Uma entrevista com um papa é rara, pode-se
contar nos dedos. Sabíamos que o Vaticano evita privilegiar um correspondente
do seu comitê de imprensa – uma etiqueta seguida à risca. A estratégia foi,
então, correr por fora.
Foram meses de encontros e
entrevistas com integrantes da Igreja para tentar furar o bloqueio do Vaticano
e chegar até o Papa. A resposta só veio na semana passada. Quinta-feira, o dia
da entrevista. Eu, o jornalista Fellipe Awi e o repórter cinematográfico
Fernando Calixto fomos recebidos pontualmente às 15h, na residência onde o Papa
estava hospedado.
Foram 45 minutos diante de um
homem simples e de muito carisma. Bem humorado, repetiu a brincadeira sobre
antiga rivalidade entre brasileiros e argentinos.
“O povo brasileiro tem um grande
coração. Quanto à rivalidade, creio que já está totalmente superada, porque
negociamos bem: o Papa é argentino e Deus é brasileiro”, brincou.
O Papa
Francisco falou sobre a simplicidade que escolheu como forma de
vida. Explicou algumas decisões, como, por exemplo, o carro popular para se
locomover no Brasil, de forma clara e direta.
“O povo sente seu coração magoado
quando as pessoas consagradas são apegadas a dinheiro. Isso é ruim. Acredito que
Deus está nos pedindo, neste momento, mais simplicidade. É algo de dentro, que
alegra o espírito”, disse.
Sobre a falha na segurança, logo
na chegada ao Brasil, o papa disse que em nenhum momento se sentiu ameaçado.
“Eu não sinto medo. Sou
inconsciente, mas não sinto medo. Sei que ninguém morre de véspera. Quando
acontecer, o que Deus permitir, será. Eu não poderia vir ver este povo que tem
um coração tão grande, protegido por uma caixa de vidro. E no automóvel, quando
ando pela rua, baixo o vidro. Para poder estender a mão, saudar as pessoas.
Ambas as seguranças trabalharam muito bem. Mas ambas sabem que sou um
indisciplinado nesse aspecto. Mas não por agir como um menino levado,
não. E sim porque vim visitar pessoas, e quero tratá-las como tal. Tocando-as”,
afirmou.
Perguntado sobre a perda de fiéis
para outras igrejas cristãs, o Papa fez um diagnóstico sobre a perda de fiéis.
“Não conheço a vida do Brasil o
suficiente para dar uma resposta. Para mim, é fundamental a proximidade da
Igreja. Porque a Igreja é mãe, e nem você nem eu conhecemos uma mãe por
correspondência. A mãe dá carinho, toca, beija, ama. Quando a igreja, ocupada
com mil coisas, se descuida dessa proximidade, se descuida disso e só se
comunica com documentos, é como uma mãe que se comunica com seu filho por carta
Não sei se foi isso o que aconteceu no Brasil. Não sei, mas sei que em alguns
lugares da Argentina que conheço isso aconteceu.”, comentou.
Camarotti: Quando o senhor foi
escolhido no conclave, a cúria romana era alvo de críticas, inclusive críticas
internas, de vários cardeais. O sentimento dos cardeais com quem eu conversei
era de mudança. Esse sentimento está correto?
Papa Francisco: Eu diria isto: na
cúria romana há muitos santos. Cardeais santos, bispos santos, sacerdotes, religiosos,
leigos. Gente de Deus, que ama a Igreja. Se ouvem os ruídos dos escândalos.
Agora mesmo temos um. Escândalo de transferência de 10 ou 20 milhões de dólares
de monsenhor. Belo favor faz esse senhor à Igreja, não é? Mas é preciso
reconhecer que ele agiu mal, e a Igreja tem que dar a ele a punição que merece,
pois agiu mal. Há casos desse tipo. A Igreja sempre precisa ser reformada. Para
não ficar para trás. Então isto é importante não só pelos escândalos do
Vatileaks, conhecidos em todo o mundo, mas porque a Igreja sempre precisa ser
reformada. Há coisas que serviam no século passado, para outras épocas, outros
pontos de vista, que agora não servem mais, e é preciso reorganizar.
O Papa disse que não
conhece profundamente os motivos que levaram milhares de jovens às ruas no
Brasil, e fez um alerta para o risco de manipulações, mas disse que é preciso
deixar o jovem livre para se expressar.
"Com toda a franqueza lhe
digo: não sei bem por que os jovens estão protestando. Este é um primeiro
ponto. Segundo ponto: um jovem que não protesta não me agrada. Porque o jovem
tem a ilusão da utopia, e a utopia não é sempre negativa. A utopia é respirar e
olhar adiante.
O jovem é mais espontâneo, não
tem tanta experiência de vida, é verdade. Mas às vezes a experiência nos freia.
E ele tem mais energia para defender suas ideias. O jovem é essencialmente um
inconformista. E isso é muito lindo! Isso é algo comum a todos os jovens. Então
eu diria que, de uma forma geral, é preciso ouvir os jovens, dar-lhes lugares
para se expressar, e cuidar para que não sejam manipulados.”, disse.
E deixou uma mensagem final sobre
a importância do diálogo entre as religiões.
“Creio que é preciso estimular
uma cultura do encontro, em todo o mundo. No mundo todo. De modo que cada um
sinta a necessidade de dar à humanidade os valores éticos de que a humanidade
necessita. Cada religião tem suas crenças. Mas, dentro dos valores de sua
própria fé, trabalhar pelo próximo. E nos encontrarmos todos para trabalhar
pelos outros. Se há uma criança que tem fome, que não tem educação, o que deve
nos mobilizar é que ela deixe de ter fome e tenha educação. Se essa educação
virá dos católicos, dos protestantes, dos ortodoxos ou dos judeus, não importa.
O que me importa é que a eduquem e saciem a sua fome”, declarou.