sábado, 26 de outubro de 2013

CÍRIO DE NAZARÉ, O MAIOR EVENTO RELIGIOSO DO MUNDO

CIRIO DE NAZARÉ
o maior evento religioso do mundo

Eram às três horas de madrugada do dia do Círio, segundo domingo de outubro 2013. A Santa, a imagem de Nossa Senhora de Nazaré, estava no seu pedestal, bem protegida por um cofre de vidro, à vista de todo o povo que madrugava na praça esperando o momento da Santa Missa e do 221. mo Círio de Nossa Senhora de Nazaré.
Todo mundo sabe que a devoção do povo quer tocar a santa, quer estar mais perto possível da Santa, ninguém segura a força da devoção popular. E também naquela silenciosa noite o povo com calma queria tocar pelo menos o vidro que defendia a Santa, subindo no palco. Mas os guardas não permitiam, afastavam rapidamente os devotos, atrevidos. De repente, a redoma de vidro de proteção à imagem estourou, sem que ninguém a tocasse, o vidro estilhaçou no chão. “É sinal que a Santa quer ficar perto do povo e não presa como querem que ela fique” disseram as testemunhas presentes.  
Às 04,30 eu estava no palco, estranhei de ver a Santa, livre, sem proteção. Fui lá, os dois guardas me deixaram, toquei a Santa pela primeira vez, toquei a imagem como se todos os amigos xaverianos a tocassem, rezei, pedi graças, bati foto para satisfazer a minha vaidade (o guarda mesmo usou a minha maquina fotográfica) e, tranquilo e feliz no meu íntimo, fui sentar nas cadeiras reservadas aos padres, continuando a minha preparação à santa missa. Não podia imaginar que a santa tivesse quebrado o vidro para estar mais perto do seu povo. Pensei em papa Francisco que dizia: “o segurança fecha o vidro do carro e eu o abro para poder apertar a mão do povo. Vim para estar com o povo e me querem colocar numa gaiola de vidro, não vale”.
Estava observando as pessoas que seguram a imagem da Santa, nas transmissões oficias. São os bispos, os diretores do Círio... Nunca vi uma mulher segurar a santa naquelas grandes liturgias televisivas. Desculpe, vi sim milhares de mulheres segurando a santinha nas casas. Aí quem manda são elas, as nossas mães, as nossas irmãs, as nossas velhinhas. Com as lágrimas nos olhos elas seguram a imagem, beijam a imagem como beijavam os filhos quando criança.  Apresentam a imagem a todos os participantes das peregrinações. Contava-me o pe. Zezinho, o padre maior dos Xaverianos da Amazônia. Em Moju era costume que o prefeito e os políticos levassem o símbolo do Espírito Santo, padroeiro da cidade, do altar até ao andor para começar a procissão, no dia da festividade. Como livrar-se desta tradição? O Espírito Santo repentinamente colocou na mente de Zezinho uma inspiração. Era o ano da mulher e o padre gritou do altar: “É o ano da mulher! As mulheres venham a levar o santo símbolo até o andor”. E o prefeito e os políticos se mandaram envergonhados e nunca mais ousaram apresentar-se para levar a santa imagem.
Sempre penso, porque o Círio é tão majestoso, mais de dois milhões de pessoas? É muita coisa. É mesmo iniciativa dos padres que convocam os fieis? Não credo. No Círio quem toma iniciativa é o povo. O Círio não começou por iniciativa da Igreja, mas pela devoção do povo à Nossa Senhora.  A Igreja assumiu muitos anos depois. Para mim isso deveria mudar o conceito que temos de Igreja feita de bispos e padres vestidos com batinas e mitras. É o povo mesmo a Igreja, a Igreja é o povo de Deus, como declarou o Concílio Vaticano II faz 50 anos. Os bispos proclamaram em Santo Domingo que os leigos são protagonistas na Igreja para uma nova evangelização. Mas onde está aberto o espaço protagonista dos leigos/as? Se ninguém abre este espaço, os leigos deveriam, com coragem, tomar a iniciativa e abrir espaços para eles assumirem o compromisso de batizados dentro da Igreja. O Círio com dois milhões de cristãos em caminho, na rua, deveria nos ajudar a assumir este compromisso, é o nosso papel de leigos protagonistas, mulheres e homens, casados e solteiros, jovens e idosos, morenos e brancos. Disse o papa que no dia de Pentecostes estavam presentes os Apóstolos e Maria no meio deles. E Maria, mãe e mulher, era mais importante do que os homens, apóstolos, padres e bispos.
Papa Francisco enviou uma carta ao povo do Pará, que dom Alberto leu na TV Nazaré. Ele não escreveu somente palavras de louvores e de bênçãos, como sempre se faz nestas ocasiões, ele indicou o caminho novo a seguir: ”Não podemos ficar encerrados na paróquia, na comunidade, na cúria, nas instituições religiosas, nos movimentos e nos grupos, quando há tanta gente esperando o evangelho, lá fora, nas periferias, precisa sair...”.  Círio é caminhada, é sair de uma catedral para chegar numa basílica. Água parada cria dengue, dizem os ditados populares. Cristãos parados apodrecem!
                A procissão do Círio começa na Sé-Catedral e, depois de uma caminhada de quase quatro quilômetros, chega à Basílica, a sede da devoção a Nossa Senhora de Nazaré. É sair, é andar..., juntos como irmãos. Milhões de pés descalços juntam-se. Mãos elevadas ou agarradas à corda da promessa, em louvor e agradecimento, pedidos de perdão e de novas graças, barco de miriti, a casinha que a fé agasalha na cabeça, os pecados serão perdoados e a graça será atendida pela força da fé.
Ela é a santa! Nós, o manto! É Círio. Em cada um, em todos nós. O manto simbolicamente não é preparado por uma só pessoa, mas é tecido e enfeitado por dois milhões de romeiros, pérolas preciosas carregadas por Nossa Senhora, como crianças no colo da mãe. Deixem o Círio nascer mais ma vez em você. Florescem as casas, florescem os corações, os sorrisos, os abraços, a fé.
Os romeiros não fazem distinção de raças ou de religião. A Santa irmana todo mundo, todos filhos da mesma mãe. Li por acaso um artigo que me ajudou a refletir. “A Assem­bleia de Deus localizada na aveni­da Nazaré abriu sua porta e seu coração para auxiliar quem pre­cisasse de ajuda. Café, pão, água e atendimento médico foram dis­ponibilizados aos romeiros. Cerca de trezentos voluntários trabalharam... Conta o Evangelho de João no capítulo quatro, que Jesus te­ve sede e foi a uma mulher de Sama­ria (potencial inimiga) que ele pediu ajuda. O poço era fundo e Jesus não tinha corda nem balde. Foi essa mulher que teve o pri­vilégio que nenhum de nós teve: de dar um copo d’água para Jesus, em pleno meio-dia. Foi para essa mulher que Jesus falou de uma fonte de água que salta para a vida eterna. Foi pelo testemunho dessa mulher que toda uma cidade se converteu ao Evangelho e Jesus, paparicado pelos inimigos samaritanos, aceitou o convite de adiar sua viagem e ficar dois dias inteiros hospedado com eles. Esse re­lato mexe comigo porque eu gostaria de ter hospedado Jesus em casa... Às vezes um copo d'água vale mais do que milha­res de palavras... Alguém me pergun­taria preocupado: isto não seria um tipo de ecumenismo? Não. Seria mui­to mais, seria uma demonstração de amor. Seria uma forma de sorrir o sorriso de Jesus”.
Vi alguns cartazes que proclamavam que o “Círio é uma janela aberta para o Céu”. Somos acostumados mesmo a pensar sempre ao céu, para ganhar a salvação eterna, para entrar no paraíso. Mas a vontade de Deus é transformar esta terra numa só família, é fazer deste mundo um paraíso, é fazer acontecer o Reino aqui e agora, é colocar lado a lado dois milhões de pessoa sem brigas, sem facas, sem balas, sem drogas, sem violência, caminhando em paz rumo a uma vida melhor, uma vida mais humana, mais fraterna e mais feliz. Vale uma só palavra, rumo a uma “vida mais cristã”. Vivo o Círio de Nazaré! Viva o Povo do Pará!
Belém 27/10/2013
Pe. Marcello Zurlo
Diretor espiritual do GAMIX,
o grupo dos amigos xaverianos