terça-feira, 30 de abril de 2013

Dom OSCAR ROMERO, O MÁRTIR DO POVO






Dom Oscar Romero, o mártir dos pobres.

Recebi hoje uma maravilhosa notícia que quero partilhar com todos os amigos xaverianos do mundo inteiro. O papa Francisco quer que a causa de beatificação de Dom Oscar Romero seja novamente aberta, depois de 33 anos, e seja rapidamente concluída. É uma escolha que já estava espalhada na consciência popular da América Latina, da Europa e do mundo inteiro.
É motivo de alegria que esta decisão venha da um papa de nome Francisco, que com seus gestos significativos e com as suas palavras, ungidas com o óleo do Espírito Santo, comove e surpreende o mundo afora.
Dom Romero deu a vida pelo povo, sem recuo, com firmeza, como Cristo Jesus na Cruz. Ele disse: “se me matarem, eu ressuscitarei no meu povo salvadorenho. Um bispo morrerá, mas a Igreja, que é o povo de Deus, não morrerá nunca”.
Estas são as últimas palavras de Dom Romero antes de ser assassinado enquanto celebrava a Eucaristia na capela do hospital de São Salvador, no dia 24 de março de 1980.
Papa Francisco, outro dia, escreveu uma carta aos Bispos da Argentina, reunidos em Assembleia, uma carta corajosa, que dizia:
Uma Igreja que não sai, mais cedo ou mais tarde, adoece por causa da atmosfera viciada de seu fechamento. É verdade que também com uma Igreja que sai pode acontecer o mesmo que com qualquer pessoa que sai na rua: ter um acidente. Diante desta alternativa, quero vos dizer francamente que prefiro mil vezes uma Igreja acidentada que uma Igreja doente. A doença típica da Igreja fechada é ser autorreferencial: olhar para si mesma, estar encurvada sobre si mesma como aquela mulher do Evangelho. É uma espécie de narcisismo que nos leva ao mundanismo espiritual e ao clericalismo sofisticado e, portanto, nos impede de experimentar “a doce e confortadora alegria de evangelizar”.
Dom Oscar Romero saiu na rua ao encontro do seu povo sofrido e assassinado e ganhou o martírio, como Jesus na Cruz.
Também João Paulo II teve o milagre reconhecido pelo papa Francisco e dentro de pouco tempo será proclamado santo.
·       João Paulo II, ora por nós.
·       Dom Oscar Romero, ora por nós.

Belém 25 de Abril de 2013, festa de São Marcos Evangelista.
Pe. Marcello Zurlo
Diretor espiritual dos Amigos Xaverianos - GAMIX


Vou anexar diversos artigos para quem deseja conhecer mais profundamente Dom Oscar Romero, o bispo dos pobres. Não precisa ler tudo de uma vez, podemos meditar em nossos encontros artigo por artigo.
1 - O Bispo dos pobres
2 – Dom Romero escrito por Costanzo Donegana
3 – 25 anos de morte e profecia (Marcelo Barros)
4 – Dom Casaldáliga celebra a memória dos mártires da América Latina
5 – Carta ao irmão Romero (Dom Pedro Casaldaliga)
6 – Celebrando os 25 anos de Dom Oscar Romero (Liturgia de Dom Pedro Casaldalica que podemos repetir nas nossas comunidades)
7 - Frases de Dom Oscar Romero
Um grupo de bispos latino-americanos, no dia 29 de março de 1980, às vésperas dos funerais de dom Romero, assinou um documento que dizia: “Três coisas admiramos e agradecemos no episcopado de dom Oscar A. Romero: foi, em primeiro lugar, anunciador da fé e mestre da verdade [...]. Foi, em segundo lugar, um resoluto defensor da justiça [...]. Em terceiro lugar, foi o amigo, o irmão, o defensor dos pobres e oprimidos, dos camponeses, dos operários, dos que vivem nos bairros marginalizados”.

Campesina
Dom Romero foi um bispo exemplar, porque foi um bispo dos pobres em um continente que carrega tão cruelmente a marca da pobreza das grandes maiorias, enxertou-se entre eles, defendeu sua causa e sofreu a mesma sorte deles: a perseguição e o martírio. Dom Romero é o símbolo de toda uma Igreja e de um continente latino-americanos, verdadeiro servo sofredor de Yahwé, que carrega o pecado, a injustiça e a morte de nosso continente. Embora, às vezes, o pressentíamos, seu assassinato não nos surpreendeu; seu destino não podia ser outro, pois ele foi fiel a Jesus e se inseriu de verdade na dor de nossos povos.
Porém, sabemos que a morte de dom Romero não foi um fato isolado. Fez parte do testemunho de uma Igreja que, tanto em Medellín, como em Puebla, optou, a partir do Evangelho, pelos pobres e oprimidos. Por isso, agora compreendemos melhor, desde seu martírio, a morte por fome e doença, realidades permanentes em nossos povos; assim como os incontáveis martírios, as incontáveis cruzes que pontuam nosso continente nestes anos: camponeses, moradores das periferias, operários, estudantes, sacerdotes, agentes de pastoral, religiosas, bispos encarcerados, torturados, assassinados por crerem em Jesus Cristo e amarem os pobres.
São, como a morte de Jesus, fruto da injustiça dos homens e, ao mesmo tempo, semente da ressurreição [...]. Dom Oscar A. “Romero é um mártir da libertação que o Evangelho exige um exemplo vivo do pastor que Puebla queria”. Dom Romero, que assistiu em 1979 à Conferência Geral dos Bispos Latino-americanos em Puebla, identificou-se plenamente com o apelo dos bispos à “conversão de toda a Igreja para uma opção preferencial pelos pobres, no intuito de sua integral libertação” (Puebla 1134). Assim, ele leu, com toda clareza, num país esgarrado pela violência, “a testemunha subversiva das Bem-aventuranças que revolveram tudo” e entendeu que tinha de desarraigar a violência a partir de suas bases, a violência estrutural, a injustiça social. E, por isso, é dever da Igreja “conhecer os mecanismos da pobreza”.

Dom Oscar Romero cumprimentando os paroquianos
A opção preferencial pelos pobres é um convite para a Igreja como um todo e para cada seguidor de Cristo. “O cristão, se não viver este compromisso de solidariedade com o pobre, não é digno de chamar-se cristão”, ele dizia. E continuava: “Por isso, os pobres marcaram o verdadeiro caminho da Igreja. Uma Igreja que não se une aos pobres para denunciar, a partir deles, as injustiças que se cometem contra eles, não é a verdadeira Igreja de Jesus Cristo” (Homilia, 23 de setembro de 1979). Nisso, ele reconheceu sua missão como arcebispo: “Creio que fazer esta denúncia, na minha condição de pastor do povo que sofre a injustiça, seja meu dever.
“Isto me impõe o Evangelho, pelo qual estou disposto a enfrentar o processo e a prisão” (Homilia, 14 de maio de 1978). Com muita clareza, na homilia de 8 de julho de 1979, afirmou: “Se nos cortarem a rádio, se nos fecharem o jornal, se não nos deixarem falar, se matarem todos os sacerdotes e até o arcebispo, e ficar um povo sem sacerdotes, cada um de vocês deve converter-se em microfone de Deus, cada um de vocês deve ser um mensageiro, um profeta”. Durante um retiro de quatro dias com um grupo de sacerdotes do Vicariato de Chalatenango, ele anotou estas linhas, nas quais relata a resposta de seu confessor, o pe.Azcue: “Outro meu temor é a propósito dos riscos de minha vida. Custa-me aceitar uma morte violenta, que nestas circunstâncias é absolutamente possível.
O padre me deu ânimo, dizendo-me que minha disposição deve ser a de dar minha vida por Deus, qualquer que seja meu fim. As circunstâncias desconhecidas devo vivê-las com a graça de Deus, que assistiu os mártires e, se for necessário, senti-la-ei vizinha a mim quando der o último respiro. “Porém, mais importante que o momento de morrer, é oferecer a Deus toda a minha vida, viver por Ele”. Duas semanas antes de sua morte, numa entrevista ao diário Excelsior, do México, disse: “Fui frequentemente ameaçado de morte. Devo dizer-lhe que, como cristão, não creio na morte sem ressurreição: se me matarem, ressuscitarei no povo salvadorenho.
Digo isso sem nenhuma ostentação, com a maior humildade. Como pastor, sou obrigado, por mandado divino, a dar a vida por aqueles que amo, que são todos os salvadorenhos, até por aqueles que me assassinarem. Se chegarem a cumprir-se as ameaças, desde agora ofereço a Deus meu sangue pela redenção e ressurreição de El Salvador. O martírio é uma graça de Deus, que não me sinto na situação de merecer, porém, se Deus aceitar o sacrifício de minha vida, que meu sangue seja semente de liberdade e sinal de que a esperança se transformará logo em realidade.

O povo salvadorenho acolhe João Paulo II em 1983, lembrando Dom Romero.
Minha morte se for aceita por Deus, que seja pela libertação do meu povo e como testemunho de esperança no futuro. “Você pode escrever: se chegarem a me matar, desde já eu perdoo e abençoo aquele que o fizer”. Não resta dúvida sobre o caráter martirial da morte de dom Romero. Iniciou-se, na América Latina, a época em que os cristãos, morrendo pela fé, dão sua vida pela justiça.


 2 - Dom Romero - Vida  por Costanzo Donegana


Os últimos dois anos de sua vida, dom Romero fazia um diário. Todas as noites, registrava em um gravador os principais fatos do dia. Lembrava-se deles e os comentava. O registro transformou-se em uma fonte única, necessária sobretudo para conhecer o lado mais profundo e íntimo de sua personalidade, que surge diferente da imagem pintada pelas alas políticas e eclesiais, tanto da direita como da esquerda.
Instrumento de Deus
“Rezo ao Espírito Santo, para que me faça caminhar nas estradas da verdade e me mantenha sempre guiado unicamente por Nosso Senhor; jamais pelos elogios, nem pelo temor de ofender” (13/03/80). Tais palavras, pronunciadas dez dias antes da sua morte, resumem o seu projeto de vida. Respondendo a alguns jornalistas, que elogiavam uma homilia feita por ele na catedral, afirma: “Eu sei apenas que a graça do Espírito Santo guia sua Igreja e torna fecunda sua palavra. A isso eu credito o sucesso que vocês atribuem à minha homilia.
Todo o meu trabalho pastoral é feito com esse espírito. Confio no Espírito Santo e procuro ser seu instrumento, amando e servindo sinceramente o povo, a partir do Evangelho” (27/11/79). Esse amor coloca-o literalmente no meio do povo: “Das pessoas que vieram às audiências de hoje, a maioria era muito pobre. Muitas dessas pessoas estavam angustiadas por causa da situação de injustiça. Algumas eram mães de desaparecidos. Procurei lhes dizer palavras de conforto, ou dar-lhes orientações que as ajudassem a enfrentar as dificuldades” (19/09/79).
Amigo do povo
O povo retribui com carinho e fé o amor do arcebispo. Logo depois de voltar da Conferência de Puebla, dom Romero reza uma missa na catedral. “O povo interrompeu várias vezes minha homilia com carinhosos aplausos. Terminada a missa, cumprimentei os sacerdotes presentes e saí, acompanhado pelas aclamações do povo, para saudar os que tinham ficado do lado de fora da Igreja. Foi um momento carinhoso. (...) Tive a sensação de estar numa família” (16/02/79).
Homem da unidade
Dom Oscar Romero arriscou tudo pela unidade. Depois do encontro em uma paróquia da diocese, comentou: “Convidamos todos a compreender qual é a verdadeira missão e o verdadeiro papel da Igreja. A partir dessa verdade, discutimos sobre a divisão que existe entre os fiéis da paróquia. Houve intervenções muito diretas de setores tradicionais, como de setores mais avançados, que trabalham na pastoral da maneira como a arquidiocese deseja. Todas as contribuições foram úteis. Recomendei várias vezes a unidade, o sentido transcendental do trabalho eclesial e o estudo atento sobre o que é a Igreja, para embasar o trabalho pastoral, tendo em vista a construção da verdadeira Igreja de Jesus Cristo” (23/04/79).
Este amor pela unidade da Igreja e do povo é o principal motivo do seu sofrimento, principalmente quando ele é incompreendido e acusado de ser fonte de divisão. Este sentimento é percebido inclusive entre os bispos. Na Conferência Episcopal de E1 Salvador, dom Romero se encontra sempre em minoria, apoiado apenas por dom Arturo Rivera y Damas (que o sucederá). Ele enfrenta a situação com fé, espírito de comunhão e firmeza: “Também dom Rivera me fez a grata surpresa de vir encontrar-me. Conversamos sobre o documento secreto de denúncia contra mim, assinado por quatro bispos.
O documento me acusa, perante a Santa Sé, de atitudes contrárias à fé, de politização, de fazer pastoral com bases teológicas falsas e de um conjunto de outros argumentos que põem em cheque meu ministério episcopal. Apesar da gravidade do fato, senti uma grande paz. Reconheço, diante de Deus, minhas deficiências, mas acredito que trabalhei com boa vontade e muito distante das coisas graves, das quais me acusam. Deus dirá a última palavra, que aguardo com tranquilidade, mantendo o trabalho com o entusiasmo de sempre. Sirvo com amor a Santa Igreja” (18/05/79).
“A reunião dos bispos na Nunciatura confirmou a divisão que existe entre nós. Só houve acordo em relação à necessidade de fazer uma denúncia oficial pelo assassinato do padre Macias (...). Quando se tratou de analisar as causas do crime, a reunião se deixou arrastar pela suspeita de uma infiltração marxista na Igreja. Não obstante todos os meus esforços, não foi possível afastar esses preconceitos. Esforcei-me para explicar que a perseguição, infligida aos sacerdotes, deve-se ao fato de eles buscarem permanecer fiéis ao espírito do Concílio Vaticano II. (...) Ofereci a Deus essa prova da paciência, já que a culpa do mal que acontece ao país foi imputada, em grande parte, à minha pessoa” (11/08/79).
Filho da Igreja
Há um momento em que dom Romero percebe que o próprio papa tem reservas em relação à sua ação pastoral. Depois de uma audiência com João Paulo II, comenta: “Acho que foi um colóquio muito útil, porque muito franco. Bem sei que não se deve sempre esperar uma aprovação plena, pois é mais útil receber advertências que podem melhorar nosso trabalho” (07/05/79). Naquele mesmo período escreve: “Entreguei tudo nas mãos de Deus, dizendo-lhe que procurei fazer toda a minha parte e que, apesar de tudo, amo a Santa Igreja e, com a sua ajuda, serei sempre fiel à Santa Sé, ao magistério do Papa.
Todavia compreendo a parte humana, limitada, defeituosa da Igreja – que é o instrumento de salvação da humanidade – à qual quero servir sem reserva alguma” (04/05/79). Um mês antes de morrer, encontra-se novamente com João Paulo II: “Senti que o Papa está de acordo com tudo o que eu digo. No final, ele me abraçou muito fraternalmente e disse-me que rezava todos os dias por El Salvador. “Naquele momento, tive a sensação de que o próprio Deus confirmava e dava forças ao meu pobre ministério” (30/01/80).
Diálogo com todos
Dom Romero não fecha nenhuma oportunidade de diálogo com as partes em conflito. Depois de uma reunião com seus assessores, afirma: “Entendi que, tanto a Junta de governo, como as organizações populares que lutam contra ela, têm aspectos positivos e negativos. A posição da Igreja é evidenciar e apoiar o que possa ser positivo. (...) A Igreja, por amor à pátria e pelo bem da justiça, deve também denunciar todos os obstáculos a esse processo revolucionário que parece já se ter iniciado” (29/10/79). “Hoje de manhã, recebi o secretário-geral da União Democrática Nacional, um partido marxista. Ele elogiou o trabalho da Igreja.
Disse que esse trabalho é muito diferente do que havia em outras épocas, quando seu marxismo chamava a Igreja de ‘ópio do povo’. Agora, pelo contrário, é o melhor ‘despertador’ do povo, pois grande parte do que está acontecendo em favor da transformação do país é obra da Igreja” (29/11/79). “Jantei com o coronel Majano e com o doutor Morales Erlich, membros do governo. Falamos sobretudo da reforma agrária. Eles têm grande esperança. Mas aproveitei também para apontar os perigos e as dúvidas que suscitam as minhas críticas (...): antes de mais nada, a conjunção da reforma agrária, com essa onda de evidente repressão violenta, nascida nos órgãos de segurança.
Também perguntei por que eles não garantem apoio popular mais decidido, favorecendo o diálogo com as forças populares, com o desejo de descobrir os verdadeiros interesses do povo e de acolher as reivindicações em favor da justiça. Não é o caso, certamente, da extrema direita, que não trabalha em favor dessas reivindicações, mas para manter seus privilégios”. (14/03/80). Dom Romero nunca permitiu que se confundisse sua ação com a dos grupos políticos. Em inúmeros pontos do seu diário ele afirma claramente essa distinção:
“À noite, os representantes do FAPU, uma organização popular, vieram para expressar seu desejo de ajudar a Igreja. Eu os adverti com a maior clareza: ‘Sem o perigo de querer manipulá-la’. Eles concordaram. (...) Insisti muito nessa autonomia da Igreja e no fato de que ela, a partir de sua perspectiva evangélica, apoia todas as iniciativas, cuja finalidade seja a de construir a justiça, o bem-estar, a paz dos homens”. (12/06/78).
O sangue
Dom Romero inspira-se somente no Evangelho. Nele, encontra a força e a luz de sua luta e de suas propostas. A um grupo de jornalistas que o interrogam sobre uma solução pacífica para a violência no país, responde com simplicidade evangélica: “Eu digo sempre que a melhor solução pacífica é um retorno ao amor e um verdadeiro desejo de busca de um diálogo. Isso deve basear-se em um clima de confiança – que tem de ser demonstrado com os fatos – para que o povo possa expressar as próprias opiniões em total liberdade e todos sejam admitidos ao diálogo”.
O arcebispo é morto enquanto celebra a Missa. Indefeso, porque sempre recusara as ofertas de proteção do governo. “Quero correr os mesmos perigos que o meu povo corre”, costumava repetir. Poucos minutos antes do crime, disse na homilia: “Neste cálice o vinho se torna sangue, que foi o preço da salvação. Possa este sacrifício de Cristo nos dar a coragem de oferecer nosso corpo e nosso sangue pela justiça e pela paz do povo”.
Trajetória
• 1917 – Nasce Oscar Arnulfo Romero, de uma família modesta em Ciudad Barrios (El Salvador).
• 1931– Entra em seminário. Seis anos depois, interrompe os estudos para ajudar a família, em dificuldades, trabalhando por alguns meses nas minas de ouro com os irmãos. De volta ao seminário, é enviado a Roma para estudar teologia.
• 1942 – É ordenado sacerdote; volta a El Salvador e é destinado a uma paróquia do interior, da qual é transferido, em seguida, para a paróquia da catedral de São Miguel, onde realiza um grande trabalho pastoral por 20 anos. Caracteriza-se como sacerdote dedicado à oração e à atividade pastoral, pobre, dando impulso a obras de caridade, mas sem compromisso social evidente.
• 1966 – Eleito secretário da Confer. Episcopal de El Salvador.

Consagração episcopal - 1970

• 1970 – É nomeado bispo auxiliar de São Salvador, cujo bispo, dom Luis Chávez y Gonzalez, está decididamente atualizando a linha pastoral proposta pelo Concílio Vaticano II e a Conferência de Medellín, auxiliado eficazmente por dom Arturo Rivera y Damas, também bispo auxiliar. Romero não se identifica com algumas linhas pastorais da arquidiocese e deixa transparecer sua tendência conservadora.
• 1974 – É nomeado bispo da diocese de Santiago de Maria. O contexto político se caracteriza por uma forte repressão, sobretudo contra as organizações camponesas.
• 1975 – Quando a Guardia Nacional assassina cinco camponeses, Romero celebra uma Missa para as vítimas; não denuncia publicamente o crime, mas escreve uma carta dura ao presidente Molina.

RutílioGrande
• 1977 – É nomeado arcebispo de El Salvador. Ficam surpreendidos os setores renovadores, que esperavam a nomeação de dom Rivera y Damas. Em 12 de março é assassinado o jesuíta pe. Rutílio Grande, comprometido com o povo e amigo de Romero. É o momento da “conversão” de Romero, quando se coloca corajosamente do lado dos oprimidos, denunciando a repressão e a violência estrutural, numa aliança entre os setores político-militares e econômicos, apoiada pelos Estados Unidos, e que explora o povo. Romero não fica calado também diante das violências da guerrilha revolucionária. O momento mais forte da sua ação, em defesa dos direitos humanos, são as homilias dominicais, nas quais analisa a realidade da semana à luz do evangelho. Transmitidas pela rádio católica, são ouvidas em todo canto do país, dando esperança ao povo e suscitando o ódio dos poderosos.
• 1978 e 1979 – Recebe o doutorado Honoris Causa pelas Universidades de Georgetown (EUA) e de Louvain (Bélgica). Em outubro de 1979, um golpe de estado depõe o ditador Humberto Romero e o poder é assumido por uma Junta de Governo, composta por civis e militares. Mas o exército e as organizações paramilitares assassinam centenas de civis (entre eles vários sacerdotes) e a guerrilha responde com execuções sumárias e destruição das estruturas do país.



• 1980 – Dom Romero escreve ao presidente dos EUA, Carter (17 de fevereiro), pedindo que não envie ajuda militar e econômica ao governo salvadorenho, pois ela favorece a repressão do povo. Na homilia de 23 de março, ele se dirige explicitamente aos homens do exército, da Guardia Nacional e da Polícia:

5.º aniversário de morte - o povo salvadorenho não esquece seu líder
“Frente à ordem de matar seus irmãos deve prevalecer a Lei de Deus, que afirma: NÃO MATARÁS! Ninguém deve obedecer a uma lei imoral (...). Em favor deste povo sofrido, cujos gritos sobem ao céu de maneira sempre mais numerosa, suplico-lhes, peço-lhes, ordeno-lhes em nome de Deus: cesse a repressão!”. Serão as últimas palavras do bispo ao país. No dia seguinte, ele é assassinado por um franco-atirador, enquanto reza a missa na capela do Hospital da Divina Providência. O mandante do crime, major Roberto D’Aubuisson, é reconhecido como responsável, mas nunca foi processado.

1994 – Abre-se o processo de canonização de dom Romero em San Salvador.
1997 – O processo passa para a Congregação das Causas dos Santos em Roma.
2013 – Papa Francisco reabre o processo e quer uma conclusão rápida



3 - Oscar Romero,
25 anos de morte e profecia
Marcelo Barros

Pessoas do mundo inteiro devem visitar El Salvador por ocasião do 25º aniversário do martírio de dom Oscar Romero, arcebispo salvadorenho assassinado em 24 de março de 1980, enquanto celebrava uma missa no Hospital da Divina Providência, onde residia. E encontrarão um país, em alguns aspectos, semelhante e, em outros, diferente de 1980.
A primeira coisa que qualquer pessoa de fora observará é que a pobreza do povo não só continua, mas se agravou. Todos os índices sociais revelam que a concentração de renda em El Salvador e em toda América Latina é ainda mais injusta e escandalosa do que no tempo em que Romero pregava do púlpito: Aquele El Salvador a que Romero se dirigia se espalhou por todo o continente. Hoje, a violência urbana, a corrupção política e a injustiça institucionalizada estão presentes em todos os países.
A violência que matou tanta gente em El Salvador continua assassinando pobres e indefesos. Agora, não se trata mais de repressão militar contra a tentativa de revolução socialista como era a Frente Farabundo Martí para a Libertação Nacional (FMLN) e os diversos grupos de linha revolucionária. A violência é atomizada e se expressa em um clima de confronto que opõe, de um lado, ricos que contratam seguranças particulares e, de outro, marginais que os tentam roubar. Multiplicam-se grupos parapoliciais que assassinam adolescentes e crianças de rua, como aumenta a violência generalizada que, a cada dia, ronda o povo. Há uma tirania mais eficiente e difícil de derrubar, que vem do dogma neoliberal que considera os pobres supérfluos.
Desde os anos 60, a América Central, especialmente Nicarágua, El Salvador e Guatemala viviam uma verdadeira guerra civil com milhares de pessoas assassinadas pelas ditaduras militares que os Estados Unidos impunham a toda região. Em meio a essa situação, monsenhor Romero compreendeu o seu ministério de bispo não como doutrinador religioso ou administrador eclesiástico, e sim como alguém que, em nome de Deus, procura promover entre os salvadorenhos o entendimento e o diálogo. Mas esse acordo só poderia ter como base a justiça e a verdade.

NÃO-VIOLÊNCIA/ATIVA
O compromisso com a paz não é passividade nem neutralidade diante da injustiça. Romero não hesitou em denunciar os abusos do poder e as injustiças praticadas pelos militares. Por isso, os poderosos passaram a vê-lo como ameaça. Mataram alguns de seus auxiliares para amedrontá-lo. Nos três anos em que foi arcebispo, seis padres da arquidiocese foram assassinados, além de muitos catequistas, leigos e agentes de pastoral. Antes de assassiná-lo fisicamente, os adversários tentaram, por todos os meios, desacreditar e desmoralizar sua atuação. Frequentemente, circulavam folhetos acusando o arcebispo de "comunista infiltrado na Igreja" ou de "vendido aos grupos subversivos". No mesmo dia em que ele foi assassinado, uma folha circulava chamando-o de "psicopata e mentiroso", por acusar o glorioso exército nacional de assassinar a sangue frio dezenas de lavradores indefesos na fazenda Colima.
O que caracteriza monsenhor Romero é que ele foi assassinado aos poucos. Era tão evidente que, atuando como atuava, ia ser assassinado que, as pessoas mais "ajuizadas" da Igreja e do mundo evitavam andar em sua companhia para não morrer junto. O próprio monsenhor, desde que começou a receber ameaças de morte, nunca mais aceitou viajar de carro com outras pessoas. Não aceitava carona e não tinha motorista para não pôr em risco a vida de ninguém.
Ao menos por duas vezes, as tentativas de assassinato falharam. Finalmente, em 24 de março de 1980, as irmãs do hospital e as pessoas presentes na missa o viram cair aos pés do altar, misturando seu sangue com o cálice de vinho que preparava para o ofertório. Tudo foi muito rápido. Parece que os assassinos estavam em dois grupos e a bala que o atingiu veio da janela lateral. Era um projétil blindado e explosivo, calibre 25. Passou perto do coração e fixou-se na quinta costela dorsal, a nove centímetros da clavícula. A morte se deu por hemorragia interna, provocada pela ferida da bala que ao penetrar no corpo explodiu e se dividiu em milhares de fragmentos mortais. Eram exatamente 18 horas e 25 minutos. Romero tinha 62-anos.
Marcelo Barros é monge beneditino e autor de 26 livros, dos quais o mais recente é O Espírito vem pelas Águas



4 - Dom Pedro Casaldáliga celebra a memória dos mártires

Ribeirão Cascalheira, MT - No último fim de semana, em Ribeirão Cascalheira (MT), a 2500 quilômetros de Itaici (SP) - onde os bispos do Brasil renovam seus estatutos para atender a uma demanda do Vaticano - Dom Pedro Casaldáliga reuniu militantes, católicos e fiéis de outras igrejas e religiões, de todo o Brasil e do mundo, e celebrou a memória dos mártires da América Latina. Memória de homens, mulheres e crianças de diferentes raças, assassinados por lutarem por um mundo mais justo, fraterno, pelos direitos dos índios, dos negros, das minorias, dos trabalhadores, pela ecologia, contra a violência e a tortura, pelos direitos humanos em geral, pela reforma agrária e pela paz.
A Romaria dos Mártires da Caminhada da América Latina lembrou também os 25 anos da morte do Padre João Bosco Penido Burnier. Esse jesuíta era missionário entre os índios Baikiri e os posseiros pobres, na Diocese de São Félix do Araguaia. No dia 11 de outubro de 1976, ele e Dom Pedro rezavam a novena de Nossa Senhora Aparecida, no povoado de Ribeirão Bonito. Informados de que duas sertanejas, Margarida e Santana, estavam sendo torturadas na cadeia da delegacia local, eles foram interceder pelas mulheres. Quatro policiais militares os interpelaram, o Padre foi agredido e recebeu uma bala a queima-roupa no crânio.
Após a missa de sétimo dia, a população resolveu sair, em procissão, até a porta da delegacia. Ao chegar lá, libertaram os presos e destruíram o prédio. No seu lugar, fincaram uma cruz. “Era a cruz da libertação no lugar da cadeia do cativeiro”, relembrou Dom Pedro, na noite do domingo passado, pouco antes de sair para a caminhada e a Vigília em memória dos mártires.
Este foi o último ano em que Dom Pedro, uma das mais fortes lideranças da Teologia da Libertação no mundo, esteve à frente dessa romaria, que se repete a cada cinco anos. Em 2003, Dom Pedro completa 75 anos e, como todos os bispos da Igreja Católica (a exceção do Bispo de Roma), deverá se afastar do cargo. Autor de mais de 50 livros em português, espanhol e catalão, traduzidos em diversos idiomas, além de roteiros de filmes, vídeos, CDs e músicas, Dom Pedro recebeu vários prêmios internacionais por sua vida de militância. A sua “Missa dos Quilombos” tem música de Milton Nascimento.
O Santuário dos Mártires da Caminhada
Após 33 anos como bispo de São Félix, região pobre e violenta, Dom Pedro Casaldáliga deixará muitas histórias de luta pelo direito dos índios, dos posseiros, dos torturados. E também, uma modesta e bela construção às margens da rodovia 158, no local onde antes estava a cadeia: o Santuário dos Mártires da Caminhada, principal atração da pequena cidade Ribeirão Cascalheira, com seus 15 mil habitantes.
Construído com ajuda internacional, principalmente da Espanha, seu país de origem, o Santuário tem 16 galerias de fotos e gravuras de mártires do Brasil e da maioria dos países da América Latina: Santo Dias, metalúrgico militante da Pastoral Operária, assassinado quando fazia piquete de greve em São Paulo, em 1979. A Prefeita Dorcelina Folador, eleita com 80% dos votos de Mundo Novo (MS), deficiente (pela poliomielite), porém conhecida por “eficientíssima”, foi assassinada aos 36 anos, em 1999.
O padre salesiano e indigenista Rodolfo Lunkenbein e o índio Simão Bororo, assassinados por um bando armado que invadiu a aldeia Meruri (MT), em 1976. O internacionalmente reconhecido Chico Mendes. Vladimir Herzog, jornalista e nomeado “Mártir da Verdade”. Zumbi dos Palmares, o Patriarca do Povo Negro, ao lado de Sepé Tiaraju, o Patriarca da Causa Indígena, martirizado junto a mais 1500 Guarani, em 1756, nas Missões do Rio Grande do Sul. Anastácia, a Matriarca da Causa Negra, presa a ferros até a morte, no século XVIII, por sua resistência contra os maus tratos às mulheres negras.
Dos demais países da América Latina, são homenageados, entre outros, o bispo Dom Oscar Romero, assassinado no altar onde acabara de celebrar a Eucaristia, em 1980, em El Salvador. Os 45 índios de Chiapas, México, na maioria mulheres e crianças, que rezavam e jejuavam pela paz e foram massacrados, em 22 de dezembro de 1997.
Atrás da mesa do altar, um grande e belo painel de Cerezo Barredo mostra o Cristo Libertador caminhando à frente de legião de mártires. Esse artista plástico espanhol tem murais gigantes espalhados por todo o mundo. Suas interpretações da Palavra de Deus são sempre engajadas nas realidades locais, com objetivos didáticos e de reconhecimento da luta dos oprimidos. Do lado oposto ao altar, no alto, a frase do Evangelho de João (15, 13): “Não há amor maior do que aquele que dá a sua vida por seus irmãos”.
Vidas pela vida
A grande maioria dos 3000 romeiros que lotaram Ribeirão, religiosos ou não, são militantes das organizações populares. Representavam as CEBs -Comunidades Eclesiais de Base, o CIMI - Conselho Indigenista Missionário, o CEBI - Centro Ecumênico de Estudos Bíblicos, as pastorais da terra, operária, dos migrantes, da juventude, o MST e o Movimento Fé e Política. Modestos, chegaram em ônibus fretados, pelas péssimas estradas de pó e buracos do Brasil central, atravessando perigosamente pinguelas sobre rios e ribanceiras. As viagens duraram, para muitos, mais de 30 horas. De São Paulo, cinco ônibus da região do ABC, trouxeram uma maioria de jovens.
Os que vieram da Itália, Espanha, Áustria, Alemanha, Argentina, México, Guatemala, Colômbia, Paraguai também enfrentaram os ônibus no Brasil. Um dos grupos de espanhóis era formado de 32 católicos de comunidades de base, do Movimento Oscar Romero (bispo assassinado em El Salvador em 1980) e do Movimento “Somos Igreja”.
Na Europa, as igrejas cristãs envelhecem e os jovens, com diferentes aspirações espirituais, não se sentem atraídos a pertencer à pesada estrutura clerical. O movimento ecumênico cresce, porém com muitos dilemas. Diante da saúde enfraquecida do Papa João Paulo, muitos católicos estão pedindo um novo Concílio.
Movimentos desejam mudanças radicais, como o reconhecimento dos padres casados, o sacerdócio feminino e a eleição direta dos bispos. Um dos espanhóis presentes à Romaria, Alberto Dávila, de uma comunidade de base de Madrid, disse que o seu grupo elegeu Dom Pedro Casaldáliga como seu bispo. “Tenho muito mais afinidades religiosas, espirituais, sociais com Dom Pedro do que com o nosso Bispo de Madrid, muito vaticanista”, justificou-se, enquanto comia uma coxinha com as mãos, em prato descartável, sob o sol quente do meio-dia.
Os europeus estavam felizes com tudo o que viram e ouviram, apesar de toda falta de conforto. Eles vislumbram nas organizações religiosas populares da América Latina o futuro possível para a realização da missão profética da Igreja: a construção do Reino ( de Paz, fraternidade e justiça). O que justifica o slogan da Romaria 2001: “Vidas pelo Reino”.
Mais de 50 sacerdotes de diferentes congregações e dioceses só se distinguiram dos demais romeiros no momento da celebração litúrgica. No galpão, atrás do Santuário, eles vestiram os paramentos vermelhos – a cor do martírio muito antes de ser a cor dos partidos revolucionários.
Ponto alto da Romaria, a Celebração Eucarística do domingo durou três horas de muitos cantos e vibração apesar do sol forte. Estandartes com fotos dos mártires, faixas das caravanas, fitas e lenços balançavam sobre as cabeças.
Nas orações dos fiéis foram incluídos os que morreram nos grandes massacres (Carandiru, Candelária, Carajás), os que continuam vivos na luta ou no sofrimento da exclusão, e também os assassinos e torturadores. O poeta Pedro Tierra recitou poema feito por ele quando, no Carandiru com mais outros 40 presos políticos, recebeu a notícia da morte do Padre Penido Burnier e entregou a Dom Pedro uma margarida prateada, com o caule de arame farpado, artesanato feito pela irmã de Alexandre Vannucchi, universitário de 22 anos, torturado até a morte, em 1973. Tierra lembrou um verso do bispo que dizia: “Malditas as cercas de arame farpado”.
A benção final foi dada pela mãe do Padre Josimo, assassinado na sede da Comissão Pastoral da Terra, no Bico do Papagaio, em 1986. Na despedida, Dom Pedro reforçou a idéia sempre lembrada: a memória do passado representa um compromisso no presente. E depois de perguntar aos fiéis por três vezes: “Vocês acreditam nos pobres?”, Dom Pedro pediu então que assumissem três compromissos:
·  1. Manter viva, atualizada e subversiva a memória dos mártires;
·  2. Participar das comunidades de base e dos movimentos populares;
·  3. Voltar às suas comunidades, lares e países contagiando a todos com esses compromissos assumidos.
Arcelina Helena, monja beneditina, em Goiás Velho

5 - Carta aberta ao irmão Romero
Dom Pedro Casaldáliga

Eu deveria estar aí... e estou de alma inteira. Esta pequena Igreja de São Félix do Araguaia te tem muito presente, irmão. Estás visível em meu quarto, na capela do pátio, em nossa catedral, em muitas comunidades, no Santuário dos Mártires da Caminhada Latino-americana. Até quando cai uma manga sobre o telhado me recordo do sobressalto que sentias quando caiam as mangas sobre teu retiro do Hospitalito. 
No mês de março de 1983 eu escrevia em meu diário: “Não consigo entender de nenhum modo, ou entendo demais: A fotografia do mártir Monsenhor Romero com João Paulo II, em uns cartazes mais que normais para a visita do Papa, foi proibida pela comissão mista Governo-Igreja de El Salvador. A imagem do mártir dói. Ao Governo, perseguidor e assassino; e é natural que doa a certa Igreja..., também é natural, tristemente natural”.

De toda maneira, aqui neste rincão do Mato Grosso, como também muitos cristãos e não cristãos da América e do Mundo, celebraremos outra vez, nesse mês de março, o martírio de São Romero, bom pastor da América Latina. Tua imagem nos conforta, nos compromete e nos une; como uma versão entranhável do Bom Pastor Jesus.

E agora estamos aí, milhões, de muitos modos, celebrando o jubileu de teu testemunho definitivo, aquela homilia de sangue que ninguém calará. Tu tens poder de convocação, um poder macroecumênico de santo dos católicos e dos evangélicos e até dos ateus. Estamos aí celebrando, reparando, assumindo. Tu és muito comprometedor; ao Jesus de Nazaré: esse Jesus histórico que tantas vezes se nos desvanece em dogmatizações helenísticas e em espiritualismos sentimentais, o Jesus Pobre solidário com os pobres, o Crucificado com os crucificados da História.

Tinhas razão, e isso queremos celebrar também, com júbilo pascoal. Ressuscitaste em teu povo, que não permitirá que o império e as oligarquias continuem submetendo-o, nem se deixará levar pelos revolucionários arrependidos ou pelos eclesiásticos espiritualizados. E ressuscitas nesse Povo de milhões de sonhadores e sonhadoras que cremos que outro Mundo é possível e que é possível outra Igreja. Porque do jeito que a coisa vai, hoje, irmão, nem o Mundo vai e nem a Igreja. As guerras continuam, até as “preventivas”; a fome continua, a greve, a violência –do Estado ou da turba enlouquecida-; continuam as falsas democracias, o falso progresso, os falsos deuses, que dominam com o dinheiro e com a comunicação, com as armas e com a política. E continua havendo muita Igreja muda. Passamos da Segurança Nacional à segurança do capital transnacional e das ditaduras militares à macro ditadura do império neoliberal. São 25 anos também da Conferência de Puebla. Aqueles rostos, Romero, que são o próprio rosto de Jesus “fragmentado”, multiplicaram-se em número e em deformação. Aquelas revoluções utópicas –belas e precipitadas como uma adolescência da História- foram traídas por uns, desprezadas olimpicamente por outros e continuam sendo recordadas com carinho –de outro modo, mais devagar, com mais profundidade pessoal e comunitária- por muitas e muitos dos que estamos aí contigo, pastor do “acompanhamento”, companheiro de pranto e de sangue dos pobres da Terra. Como necessitamos hoje que ensines aos pobres a “tomar corpo” de maneira solidária, organizados, teimosos na esperança!

Contigo, dizia o mestre mártir Ellacuría, “Deus passou por El Salvador”, por todo nosso mundo. E o teólogo de fronteira José Maria Vigil fez sobre ti três rotundas afirmações que, mais do que verdades em que acreditar, são desafios urgentes para ser assumidos:

Romero: “símbolo máximo da opção pelos pobres e pela teologia da liberação”.

Romero: “símbolo máximo do conflito da opção pelos pobres com o Estado”.

Romero: “símbolo máximo do conflito da opção pelos pobres com a Igreja institucional”.

Não quer dizer que tu deixaste de ser “Institucional” e comportado. Sempre me admirou em ti a aliança da disciplina com a liberdade, da piedade tradicional com a Teologia da Libertação, da profecia mais arrojada com o perdão mais generoso. Eras um santo fazendo-se, em constante processo de conversão. Sobre ti se tem repetido, de maneira edificante, que eras um bispo convertido. Com Deus e com o Povo, sem dicotomias. “Eu, dizias, tenho que escutar o que diz o Espírito por meio de seu Povo...” Tua homilia do dia 23 de março de 1980, véspera da oblação total, a intitulaste precisamente assim: “A Igreja ao serviço da libertação pessoal, comunitária, transcendente”.

Recordamos-te tanto porque te necessitamos, Romero, irmão exemplar. Tu animas, tu continuas predicando-nos a homilia da libertação integral. Tu continuas gritando: “Cesse a repressão” a todas as forças repressoras na Sociedade, nas Igrejas, nas Religiões. Tu nos advertes que “aquele que se compromete com os pobres tem que percorrer o mesmo destino dos pobres: ser desaparecidos, ser torturados, ser capturados, aparecer cadáveres”, e nos recordas que, comprometendo-nos com as causas dos pobres não fazemos mais do que “predicar o testemunho subversivo das Bem-Aventuranças, que deram novo sentido a tudo”.

Confiavas-e não vamos defraudar-te que “enquanto haja injustiça haverá cristãos que a denunciem e que se coloquem ao lado de suas vítimas”. Teu sangue, como pedias, é verdadeiramente “semente de liberdade”.

Tua memória não é simplesmente nostalgia nem uma veneração sacralizada que fica no ar do incenso; queremos que seja, faremos com que seja compromisso militante, pastoral de libertação. Nosso teólogo, o teólogo dos mártires, Jon Vi Gil, nos resume dessa forma a tarefa evangelizadora e política que, por fidelidade a tua memória, nos demanda hoje o Reino: Enfrentar-se à realidade com a verdade; analisar a realidade e suas causas; trabalhar pela mudança estrutural; levar a cabo uma evangelização madura, libertadora, crítica e autocrítica; construir a Igreja como povo de Deus; dar esperança a esse Povo que tanto sofre...

Esta semana de teu jubileu, em Sem Salvador, acabará sendo um sínodo popular, um encontro de aspirações e compromissos dentro desse processo conciliar que estamos vivendo, uma grande vigília pascoal em torno a ti e a tantos e tantos testemunhos fiéis, conhecidos ou anônimos, porém, todos luminosos no livro da Vida, seguidores até o fim do supremo Testemunho Fiel.

“Estamos outra vez em pé de testemunho”, te dizia eu naquele poema. E, de verdade, estamos. Somos do grande Fórum Social Mundial, com o Evangelho e pelo Reino, em direção a um outro Mundo possível, em direção a uma outra Igreja-de Igrejas unidas e libertadoras-, em direção a uma outra Pátria Grande, Nossa América do Caribe e do Sul e da entranhável América Central; com um outro Norte, também irmão, por fim desimperializado.

Anunciam-nos a V Conferência Episcopal Latino-americana, possivelmente para realizar-se em 2007 e esperamos que seja na América Latina. Ajuda a prepará-la irmão. Faça celestiais horas extras todos os santos e santas de Nossa América para que essa Conferência seja um Medellín, atualizado.

Continuaremos falando, irmão Romero. A cada dia. Tu acompanhando-nos desde a Paz total, pelo caminho árduo e libertador do Evangelho. Tantas vezes nos sentimos como os discípulos de Emaús, defraudados, sem rumo, porque “pensávamos que...”.

Muito se tem falado de tua última homilia como de uma última palavra tua, um testamento; Tu escreveste outra última palavra, mais definitiva ainda, porém menos conhecida. No dia 19 de abril de 1980, Monsenhor Arturo Rivera Damas, administrador apostólico de San Salvador, me escrevia: “… permitimos-nos incluir aqui a carta que nosso querido Monseñor Romero deixou redigida no dia de seu assassinato para ser assinada naquela noite. Agradecendo a você sua solidariedade cristã para com ele e com nossa Igreja, pedimos-lhe que possamos contar sempre com suas orações para que possamos continuar a obra que o Senhor e a Igreja agora nos confiam e que, seguindo esses mesmos critérios, Monsenhor Romero realizou...”.

Tua carta, Romero, que guardamos em nosso arquivo, timbrada como “relíquia”, reza assim:

“... Querido irmão no episcopado:

Com profundo afeto agradeço-lhe sua fraternal mensagem em solidariedade pela perda de nossa emissora.

Sua calorosa adesão alenta consideravelmente a fidelidade a nossa missão de continuar sendo expressão das esperanças e angústias dos pobres, alegres por correr com Jesus os mesmos riscos, por identificar-nos com as causas justas dos despossuídos. À luz da fé, sinta-me estreitamente unido no afeto, na oração e no triunfo da Ressurreição.
 Oscar A. Romero, Arcebispo.

Tua última palavra escrita, e assinada com sangue, não podia ser mais cristã.

Querido São Romero de América, irmão, pastor, testemunho: Tu vivias e davas a vida porque acreditavas de verdade no “triunfo da Ressurreição”. Ajuda-nos a crer de verdade nesse triunfo, para viver e dar vida como tu, com os pobres da Terra, seguindo o Crucificado Ressuscitado Jesus.

Pedro Casaldáliga
 24 de março de 2005.
Bispo emérito da Prelazia de São Felix do Araguaia



6 - CELEBRANDO OS 25 ANOS
DO MARTÍRIO DE DOM OSCAR ROMERO

“Se me matam,
vou ressuscitar na luta do meu povo!”
                                                (Oscar Romero)

Neste ano estamos celebrando os 25 anos do martírio de dom Oscar Romero, momento de recordar e de reafirmar o nosso compromisso com a Causa da Libertação. Por sua fé, conversão, oração e simplicidade pastoral, por sua opção pelos pobres, por suas homilias proféticas, por seu compromisso fidelíssimo no serviço ao Reino de Deus dentro das exigências da História, este pastor admirável passou a ser um verdadeiro “Santo Padre” de nossos tempos, um mártir protótipo do Continente, um santo totalmente nosso. O dia do seu martírio, 24 de março, é uma data martirial consagrada e sua fotografia está presente em igrejas, capelas, centros comunitários e casas de família de nossa América e do Mundo.
Estamos oferecendo um roteiro de celebração para que as pessoas, comunidades, igrejas, entidades, movimentos populares e sociais possam celebrar este acontecimento. Será um momento de juntar as pessoas. Momento de reacender a chama da nossa utopia, de recriar a festa da vida e do compromisso. Momento de honrar a memória de todo aquele, de toda aquela, que caíram lutando contra o império da morte. Momento de assumirmos comprometidamente as grandes Causas da Vida, as CAUSAS DO REINO.

Orientações e sugestões:
Para que esta celebração possa acontecer de maneira orante, simbólica e amorosa, é necessário preparar bem todas as coisas.
Criar uma equipe de celebração. Esta equipe deve estudar o roteiro, e, se precisar, adaptá-lo à realidade dos/as participantes e do lugar;
Distribuir os vários serviços, vivenciar os vários elementos da celebração e ensaiar bem os cantos;
Arrumar o espaço da celebração, para que seja um ambiente acolhedor, orante, simples e belo;
Preparar uma cruz rústica, enfeitada com fitas, com as cores da Wiphala (branco, vermelho, laranja, amarelo, verde, azul, roxo). A Wiphala é a bandeira da resistência latino-americana: símbolo da irmandade da comunidade; símbolo de paz, liberdade, justiça, resistência; símbolo político-social-comunitário;
Confeccionar um estandarte ou uma bandeira de dom Oscar Romero;
Preparar pão de milho (ou com outro produto próprio da região) e suco da nossa terra (frutas regionais);
O Hino “Profecia” de Reginaldo Veloso se encontra no CD Vida, o sonho de Deus (Paulus);
Para o final da meditação sugerimos a proclamação de alguns trechos das homilias do nosso santo Oscar Romero. Há comunidades que têm estas homilias gravadas; neste caso poderiam ser utilizadas;
      - Uma outra sugestão de celebração poderá ser encontrada no Ofício dos Mártires da caminhada latino-americana (Paulo).
1. Chegada: entrega de fitas com as cores da Wiphala, velas e saudação fraterna a cada pessoa. Toque de algum instrumento musical (flauta, atabaque, tambor, berrante, pau de chuva...).

2. Acendimento do Círio (uma vela grande)
    Estando as luzes apagadas, canta-se um refrão meditativo:
   
   Vidas pela vida, / vidas pelo Reino, / vidas pelo Reino.
   Todas as nossas vidas, / como as suas vidas,
    como a vida d’Ele, / o Mártir Jesus!

    Após o refrão, uma pessoa acende o círio e proclama:
    
    Bendito sejas, Deus da vida, pela luz de Cristo, o Mártir Jesus,
    e por Dom Oscar Romero testemunha da sua Páscoa!

  Todos acendem suas velas  

   Vidas pela vida, / vidas pelo Reino, / vidas pelo Reino.
   Todas as nossas vidas, / como as suas vidas,
    como a vida d’Ele, / o Mártir Jesus!

3. Abertura

     Em nome do Pai de todos os Povos,
     Nós estamos aqui!
     Em nome de Deus de todos os nomes
     - Javé, Obatalá, Olorum,
     Maíra de tudo, excelso Tupã,
     Nós estamos aqui!

     Em nome do Filho, que a todos os povos nos faz ser irmãos e irmãs,
     Nós estamos aqui!
     Em nome do Espírito de amor que está em todo amor,
     Nós estamos aqui!
    
     Em memória da páscoa jubilar
     de Dom Oscar Romero,
     pastor e mártir da nossa América.
     Nós estamos aqui!

     Em nome das vidas dadas pela Vida,
     dadas pelo Reino, cantamos, Senhor!

     Pai-nosso, dos pobres marginalizados!
     Pai-nosso, dos mártires, dos torturados!

     Teu nome é santificado
     naqueles que morrem defendendo a vida.
     Teu nome é glorificado
     quando a justiça é nossa medida.
     Teu reino é de liberdade,
     de fraternidade, paz e comunhão;
     maldita toda violência,
     que devora a vida pela repressão.

     Queremos fazer tua vontade;
     és o verdadeiro Deus libertador.  
     Não vamos seguir as doutrinas
     corrompidas pelo poder opressor.
     Pedimos-te o Pão da vida,
     o pão da segura, o pão das multidões,
     o pão que traz humanidade,
     que constrói a vida em vez de canhões. 

     Perdoa-nos quando por medo,
     ficamos calados diante da morte!
     perdoa e destrói os reinos
     em que a corrupção é a lei mais forte.
     Protege-nos da crueldade
     do esquadrão da morte, dos prevalecidos.
     Pai-nosso, revolucionário,
     parceiro dos pobres, Deus dos oprimidos!

5. Sentido da celebração e Recordação da vida

                 Irmãs e irmãos, com a alegria da Páscoa, estamos celebrando os 25 anos do martírio de Dom Oscar Romero. Jubileu martirial! Jubileu latino-americano e da nova mundialidade. Jubileu de memória, testemunho, palavra, fidelidade, coragem, sangue e profecia, hoje na nossa América-Latina, na nossa Afroameríndia, neste “outro mundo possível”.
                Somos convidas e convidados a recordar a vida, a história do pastor e mártir da nossa América, Dom Oscar Romero tendo presente sua repercussão em nossas vidas, em nossas comunidades e no mundo; e também de outras pessoas que deram e dão suas vidas pela causa do Reino... (Criar um espaço para as pessoas de mais tempo de caminhada façam memória da história de Dom Oscar Romero e concluir com estas palavras ou outras):

 “Nós acreditamos na vitória da Ressurreição”. Foram as últimas palavras que Dom Oscar Romero escreveu nesta vida. E estava em plena Eucaristia pedindo  “que este Corpo e este Sangue nos alimentem para entregarmos também o nosso corpo...”, quando caiu baleado, detrás do altar, aos pés do grande Crucifixo.



6. Hino
      Profecia – Reginaldo Veloso (Durante o hino uma pessoa entra com um estandarte de Dom Oscar Romero)

    Oscar Romero! Oscar Romero! Oscar Romero!
    “Se me matam, vou ressuscitar na luta do meu povo!”

    Do coração da América ferido
    eu vi de sangue ondular um rio...
    Era semente o sangue, era de Cristo,
    e fecundava a terra em seu cio!

    Do coração da América ferido
    espigas vi brotar no chão florido,
    e a primavera fez-se estio amigo,
    e cem por um frutificou o trigo!

    Do coração da América ferido
    ouvi largar e ecoar um grito...
    Mortal me ressoava ao ouvido,
    mas foi de parto a dor de tal gemido!

   Do coração da América ferido
   eu vi o sol raiar com novo brilho
   no mundo, pelo sangue redimido;
   da liberdade eu vi nascer o Filho!

7. Salmo 23

Cantemos, bendizendo ao Senhor pelo Pastor de nossas vidas, pelo testemunho, palavra, sangue e profecia de Dom Oscar Romero e pela nossa caminhada de libertação.

   O Senhor é meu Pastor,
   nada me pode faltar.
   Onde houver muita fartura,
   onde houver muita fartura,
   Ele aí vai me levar
Para as fontes de água fria
   Ele vai me conduzir;
   eu repouso e ganho força,
   eu repouso e ganho força,
   e vontade de sorrir.

   Por caminhos bem traçados,
   Ele me faz caminhar;
   nas passagens perigosas,
   nas passagens perigosas,
   Ele vem me acompanhar.
   Me prepara mesa farta,
   do inimigo invejar.
   Vem, me abraça e põe perfume,
   vem, me abraça e põe perfume,
   faz minha taça transbordar!

   Me acompanha noite e dia
   tua força e teu amor;
   vou morar na tua casa,
   vou morar na tua casa,
   toda a vida, meu Senhor!

   Glória ao Pai, glória a seu Filho,
   Glória ao Espírito Divino.
   Ao Pastor de nossas vidas,
   ao Pastor de nossas vidas,
   ofertamos este hino.

8. Aclamação ao Evangelho
   Aleluia, alegria, aleluia,
   Aleluia, aleluia!
   Ele falou: Não existe maior prova, minha gente,
   dar a vida pela Vida, aleluia!

9. Evangelho: João 15,9-13
Durante a festa da páscoa, na última ceia com os seus apóstolos, Jesus anuncia o mandamento do Maior Amor: dar a vida pelos amigos. Acolhamos este ensinamento-testamento de Jesus.

10. Meditação – silêncio... partilha... refrão:

      Após alguns instantes de silêncio convidar para a partilha da palavra (ressoar palavras ou frases do texto bíblico que mais nos tocaram, e os apelos e compromissos que esta palavra provoca na minha vida hoje) e concluir proclamando, de maneira solene, uma das homilias de Dom Oscar Romero

“São Romero da América, pastor e mártir nosso, ninguém há de calar tua última homilia!”

Voz 1: Cristo nos convida a não ter medo da perseguição porque, creiam,  irmãos, aqueles que se comprometem com os pobres têm que seguir o mesmo destino dos pobres. E em El Salvador já sabemos o que significa o destino dos pobres: ser desaparecidos, ser torturados, ser capturados, aparecer cadáveres...
Estas mortes, ao invés de apagar em nós o ardor da fé, entusiasmam ainda mais o vigor de nossas comunidades...
Todas: Se me matam, vou ressuscitar na luta do meu povo!
Voz 2: Me alegro, irmãos, de que nossa Igreja seja perseguida, precisamente por sua opção pelos pobres e por tratar de encarnar-se no meio deles.
Seria triste que, em uma pátria onde se está assassinando tão horrorosamente, não contássemos também entre as vítimas com sacerdotes. São testemunho de uma Igreja encarnada nos problemas do povo... Aqueles que caem na luta, contanto que tenha sido por amor sincero ao povo e buscando a verdadeira libertação, devemos considerá-los para sempre presentes entre nós...
Todas: Se me matam, vou ressuscitar na luta do meu povo!

Voz 3:        Quero assegurar a vocês e peço suas orações para ser fiel a esta promessa: que não abandonarei meu povo, mas correrei com ele todos os riscos que meu ministério exige...
Tenho sido freqüentemente ameaçado de morte. Devo dizer-lhes que como cristão não creio na morte, mas sim na ressurreição. Se me matarem, ressuscitarei no povo salvadorenho. Isto lhes digo sem nenhum orgulho, mas com a maior humildade... como pastor estou obrigado por lei divina a dar minha vida por aqueles que amo, que são todos os salvadorenhos, mesmo por aqueles que vão me matar. Se chegarem a cumprir as ameaças, desde já ofereço a Deus o meu sangue pela redenção e salvação de El Salvador.
Todas: Se me matam, vou ressuscitar na luta do meu povo!

Voz 1:        O martírio é uma graça que não creio merecer. Mas se Deus aceita o sacrifício de minha vida, que meu sangue seja semente de liberdade e sinal de que a esperança será em breve uma realidade...”.
Todas: Se me matam, vou ressuscitar na luta do meu povo!

11. Preces

Irmãs e irmãos, neste clima de memória jubilar, ampliamos a nossa memória invocando outros nomes, outros lugares e outras lutas. Nomes de mulheres e homens que deram suas vidas por causa do Amor Maior; os lugares, o chão sagrado, martirial e de resistência popular; e também todas as nossas outras lutas, as nossas bandeiras e nossas utopias.
(Depois de cada nome a assembleia responde):

Presente em nossa caminhada!

De ombros unidos ou de mãos dadas, formando uma grande roda de irmandade e de testemunhas, num instante de silêncio somos convidados e convidadas a assumir o nosso compromisso de manter viva a memória dos mártires, sendo solidários, solidárias, com as causas pelas quais eles e elas deram suas vidas...


12. Refeição fraterna
 (Sentados/as no chão, na roda da vida, ao som da flauta ou de outro instrumento musical ou com o canto da missa campesina: “Eu te oferto, Senhor”, entram pessoas com uma toalha típica do lugar, pão de milho e suco, e, em seguida proclama-se trechos do poema de Pedro Casaldáliga:)

. São Romero da América, pastor e mártir
                                                                                                             
     Tu ofertavas o Pão, o Corpo Vivo.
      - o triturado corpo de teu Povo;
      Seu derramado Sangue vitorioso –
      o sangue campesino de teu Povo em massacre,
      que há de tingir em vinhos de alegria a Aurora conjurada!

      E soubeste beber
                            o duplo cálice
                                                do Altar e do Povo,
      com uma só mão consagrada ao Serviço.

14. Bênção e partilha dos alimentos
               
      C: Irmãs e irmãos,
           Louvemos o Senhor porque ele é bom!
      T: Eterno é seu amor!
      C: Louvemos a Deus porque ele nos amou primeiro!
      T: Eterno é seu amor!
      C: Por todas as maravilhas de Deus em favor do seu povo, bendizemos ao Senhor!
      T: Graças a Deus!

      C: Para nós é um prazer
           bendizer-te, ó Senhor.
           celebrar o teu amor
           por Jesus teu bem-querer!

           Hoje o sangue semeado
           frutifica em louvação,
           pois não há libertação
           sem o sangue derramado.

           Apresentando a comida:
         
         Ö Senhor, te bendizemos
         por comida tão gostosa,
         que com mãos bem generosas
         entre nós partilharemos!

         Apresentando a bebida:

           Ó Senhor, te bendizemos
           por beber de tal delícia,
           que entre nós com alegria
           como irmãos dividiremos!

           Finalmente a nossa boca,
           inspirada por teu Filho,
           e seguindo o seu ensino,
           o teu santo nome invoca:
           T: Pai nosso..., pois vosso é o reino, o poder e a glória para sempre.
    
           C: Amém! Aleluia! Amém! Aleluia
           T: Amém! Aleluia! Amém! Aleluia
        
           C: Amém! Aleluia! Amém! Aleluia
           T: Amém! Aleluia! Amém! Aleluia
        
         C: Vocês todos e todas, que têm fome e sede de justiça, venham e comam o pão de milho, pão da Ameríndia, hóstia da Nossa América e o suco da terra, sangue da nossa Pachamama.

Canto: Prova de amor maior não há
            que doar a vida pelo irmão!

            Eis que eu vos dou o meu novo mandamento:
            “Amai-vos uns aos outros como eu vos tenho amado!”

           Vós sereis os meus amigos, se seguirdes meu preceito:
           “Amai-vos uns aos outros como eu vos tenho amado!”
        
           Como o Pai sempre me ama, assim também eu vos amei:
            “Amai-vos uns aos outros como eu vos tenho amado!”

            Permanecei em meu amor e segui meu mandamento:
            “Amai-vos uns aos outros como eu vos tenho amado!”

            E chegando a minha Páscoa, vos amei até o fim:
            “Amai-vos uns aos outros como eu vos tenho amado!”

            Nisto todos saberão que vós sois os meus discípulos:
            “Amai-vos uns aos outros como eu vos tenho amado!”
Envio:
           Com Cristo e suas testemunhas
           seguiremos cantando a Libertação.
           Por Ele e com elas
           saberemos que vamos ressuscitar
           “mesmo nos custando a vida”.
           Agora e para sempre.
           - Amém, Axé, Awere, Aleluia!
Pedro Casaldáliga e Laudimiro Borges (Mirim)

7 - Algumas Frases- Mensagens libertadoras-
 de Dom Oscar Romero

 “Irmãos, eu gostaria de gravar no coração de cada um esta ideia: o cristianismo não é um conjunto de verdades nas quais devemos acreditar de leis que devem ser cumpridas, de proibições! Assim se torna muito repugnante. O cristianismo é uma pessoa, que me nos amou tanto, que pede nosso amor. O cristianismo é Jesus Cristo e o evangelho”.

 “Que maravilha será o dia que cada batizado compreender que sua profissão, seu trabalho, é um trabalho sacerdotal; que, assim como eu celebro a missa no altar, cada carpinteiro celebra sua missa na sua carpintaria, cada profissional, cada médico com seu bisturi, a mulher na feira, no seu lugar de trabalho… estão fazendo um ofício sacerdotal”.

 “Uma religião de missa dominical, mas de semanas injustas não agrada ao Deus da Vida. Uma religião de muita reza, mas de hipocrisias no coração não é cristã. Uma Igreja que instala só para estar bem, para ter muito dinheiro, muita comodidade, porém que não ouve os clamores das injustiças não é a verdadeira igreja de nosso Divino Redentor”.

 “Ainda quando nos chamem de loucos, ainda quando nos chamem de subversivos, comunistas e todos os adjetivos que se dirigem a nós, sabemos, que não fazemos nada mais do que anunciar o testemunho subversivo das bem-aventuranças,  que proclamam bem-aventurados os pobres, os sedentos de justiça, os que sofrem”.

“Muitos querem que o pobre sempre diga que é “vontade de Deus” que assim sobreviva. Não é vontade de Deus que uns tenham tudo e outros não tenham nada. Não pode ser de Deus. A vontade de Deus é que todos os seus filhos e filhas sejam felizes”.

“É ridículo dizer que a Igreja se tornou marxista. Porém há um "ateísmo" mais próximo e mais perigoso para nossa igreja: o ateísmo do capitalismo, quando os bens materiais se tornam ídolos e substituem Deus”.

“Uma igreja que não sofre perseguição, mas que desfruta privilégios e o apoio de coisas da terra – Tenham Medo! – não é a verdadeira igreja de Jesus Cristo”.

“Quantos hão que não dizem ser cristãos, porque não têm fé…! Têm mais fé no seu dinheiro e em suas coisas do que no Deus que criou tudo”.

“Para que servem belas estradas e aeroportos, belos edifícios e grandes palácios, se foram construídos com o sangue de pobres que jamais vão desfrutá-los?”

“Não nos cansemos de denunciar a idolatria da riqueza, que faz consistir a grandeza da pessoa humana no ter e esquece que a verdadeira grandeza é ser. A pessoa humana não vale pelo que tem, mas pelo que é e faz".

“ Devemos buscar o menino Jesus, não nas imagens bonitas de nossos presépios. Devemos buscá-lo entre as crianças denutridas que foram dormir esta noite sem ter o que comer, entre os pobres vendedores de jornal que dormiram muito mal”.

“Não é um prestígio para a Igreja estar bem com os poderosos. Prestígio para a igreja é sentir que os pobres a sente como sendo sua, sentir que a igreja vive uma dimensão na terra, chamando todos, também os ricos, à conversão e à salvação a partir do mundo dos pobres, porque eles são unicamente os bem-aventurados”.